Planícies, de Federico Falco, por Alejandro Morellón

Alejandro Morellón - Publicado na categoria Resenhas & Trechos em 26/01/2024


Planícies, de Federico Falco¹
Por Alejandro Morellón²

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Federico Falco (1977, Córdoba, Argentina) publicou os livros de contos 222 patitos, 00 (ambos em 2004), La hora de los monos (2010), Un cementerio perfecto (2016), o romance Cielos de Córdoba (2011) e o livro de poemas Made in China (2008). Em 2020, seu último trabalho, Los llanos (publicado no Brasil com o título Planícies, pela Autêntica Contemporânea em 2021) foi finalista do Prêmio Herralde de Novela, e Falco volta a se destacar como um dos narradores mais relevantes de sua geração.


A trama de Planícies pode ser resumida em uma única frase: um homem decide ir morar no campo após uma ruptura amorosa. Mas, como o simples não é inimigo do profundo, abaixo do luto inicial surgem todos os outros grandes temas literários: nossa relação com o tempo e com o espaço, com a própria escrita, a questão da identidade, o plano intermediário entre o que somos e o que nos acontece.


Em Planícies, como diz a própria novela, “há um tempo para cada coisa”, e até “há um tempo para aprender a esperar a passagem do tempo”. Ao longo do livro, o autor reivindica esse intervalo, o período entre eventos, e esse é justamente o desafio: colocar o olhar no lugar anônimo, na hora transitiva, aparentemente sem grandes protagonismos.


Se escrever é falar do que não se fala, segundo María Zambrano, Federico Falco fala daquilo que geralmente não é contado, isto é: do momento de silêncio, da paisagem horizontal, “das dúvidas, do tédio, dos longos dias nos quais nada muda, da tristeza estagnada”. Mas não se deve ser enganado por essa primeira impressão, porque à medida que adentramos em Planícies, pequenas transformações vão se apresentando, que são a essência do registro sensível. Assim como acontece ao cuidar de um jardim, a contemplação e o pensamento dão lugar a um escrutínio mais lúcido, a um interesse pelo que é ordinário e discreto, e o leitor aguça os sentidos para entender a beleza no detalhe, para encontrar a verdade na repetição e na variação.


Aos poucos, Falco nos expõe os diferentes estágios de sua experiência: a dor recente muitas vezes se mistura com um passado mais antigo, com as lembranças de sua infância e os dias no campo com seus avós. Por exemplo, na página 73 ele escreve:


“Era um espaço onde podia encontrar a mim mesmo.

Era um espaço onde podia me ler.

O início de uma conversa com a paisagem.”


O personagem escreve e pensa a partir de uma pequena cidade chamada Zapiola, nos arredores de Buenos Aires, e aqui o distanciamento pode ser entendido também como um reencontro, no qual prevalece certa metafísica do eu: o que resta de nós quando tudo o mais muda? Quem somos quando nos lemos em uma paisagem diferente? Estas são algumas das perguntas que o autor parece querer responder, não através de artifícios ou alardes narrativos, mas por meio de uma reflexão orgânica e natural com o ambiente e também com sua própria escrita. Na página 47, lemos:


“Às vezes, ao escrever, tinha a ilusão de que controlava o texto, mas na realidade tudo se dava de um modo que quase me excluía: brotava o que podia em meio a meus próprios acidentes, minha neurose, meu cansaço, minha vagabundagem, meu temor a ‘o que vão dizer’, irão se entediar?, o que vão pensar de mim, meu medo de que não gostem do que escrevo, de que deixem o livro pela metade e não continuem. São contratempos não tão distintos da seca, ou do vento, ou do granizo. Atacam o germe. Os textos crescem em meio a isso, são modelados e feridos por mim mesmo. Alguns não sobrevivem. Outros não contam com minha ajuda. A alguns não posso ajudar a ser, não sei como escrevê-los.”



Falco estabelece assim um belo paralelismo entre o processo criativo e as vicissitudes da colheita, e de alguma forma nos dá a chave para ler seu romance como se observássemos o crescimento de um jardim: com calma, prestando atenção aos detalhes, aos tempos, às mudanças, porque Planícies é, entre outras coisas, um texto contemplativo. Ao longo dos dez meses que dura o diário, assistimos à visão detalhada que o protagonista faz do espaço, nomeando o nunca antes nomeado, mas também de si mesmo, tentando explicar sua dor e as circunstâncias que o levaram a estar como está.


O autor nos remete do pessoal ao universal, relacionando o personagem com as plantas e os vegetais, com as estações, com as mudanças do tempo, as chuvas, o calor, de modo que vive sua experiência através dos elementos do terreno e parece constatar certa harmonia entre o indivíduo e o espaço ao redor, como escreve na página 41:


“Eu agora só quero olhar o horizonte, a planície, fixar os olhos na distância, que o campo me inunde, que o céu me preencha, para não pensar, para que aquilo que acontece em mim deixe de existir o tempo todo.”



E também, em sua origem e em última instância, Planícies é um romance de amor. De desamor, mais precisamente. Sobre o amor impossível ou o amor que deixa de ser como gostaríamos que fosse para sempre.


“Não há ninguém mais indesejável do que aquele a quem se deixa de desejar”, escreve Falco ao relembrar o momento da ruptura com seu namorado Ciro. No dia em que compram uma mesa para a sala de sua casa, seu namorado decide terminar com ele, dizendo que já vinha assimilando a distância há algum tempo. Para Falco, no entanto, a notícia o pega de surpresa, e entendo que esse é o motivo inicial, a razão primeira de Planícies: escrever para tentar entender, deixar passar o tempo para colocar as coisas em claro.


“Estar com outro é difícil. Estar com outro é um trabalho, um esforço. Entender, ou não entender, ou tratar de entender. O que pensamos que somos. O que o outro acredita que somos. Os desejos e as vontades próprias. Os desejos do outro. As vontades do outro. O trabalho do outro e o nosso trabalho. O trabalho em equipe: o trabalho, a parceria, a amizade, a proximidade. Desgastes, mal-entendidos, objeções. O que não se vê, o que não se ouve, o que não se quer ver, o que é tão terrivelmente doloroso que preferimos não saber.”



Ao longo do romance, Federico Falco reconstrói momentos de sua relação e se pergunta se poderia ter feito algo de diferente ou se as coisas poderiam ter saído bem em outras circunstâncias. Mas, como o próprio jardim, as relações não podem ser previstas nem forçadas a crescer como se quer. É preciso deixá-las ser, parece nos dizer o autor, deixá-las morrer se nada mais puder ser feito.


Há um momento especialmente triste, mas belo, quase no final: o protagonista volta a ligar para seu namorado, algum tempo depois de terem terminado, para perguntar se estão naquela parte dos filmes em que os casais se separam por um tempo, aquele momento em que acontecem elipses de “cada um por sua conta” com uma musiquinha de fundo. “Nós estamos na parte da musiquinha?”, pergunta Falco, evidenciando que o amor continua, embora a relação tenha acabado. Isso me faz lembrar de uma frase de Simone Weil: “amar puramente é venerar a distância entre si e o que se ama”. Para mim, este livro é essa distância necessária, a tentativa de entender o que se ama, o que se é.


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¹ Resenha publicada originalmente em espanhol na revista Cuadernos Hispanoamericanos.


² Alejandro Morellón (1985) nasceu em Madri, Espanha. É autor dos livros de contos “La noche en que caemos” (2013), vencedor do Prêmio Monteleón, “El estado natural de las cosas” (2016), vencedor do Prêmio Hispano-Americano Gabriel García Márquez, e do romance “Caballo sea la noche” (2019). Mais recentemente, em 2021, foi selecionado pela revista GRANTA como um dos melhores escritores jovens de língua hispânica. Em 2022, foi o vencedor da 50ª edição do Prêmio Ignacio Aldecoa com seu mais novo livro de contos “El peor escenario posible”.

Tags:  Autêntica Contemporânea,  planícies,  federico falco


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