Leia o primeiro capítulo de 'A garota desaparecida'

Lisa Gardner - Publicado na categoria Resenhas & Trechos em 11/02/2019


Capítulo 1

Essas são as coisas que eu não sabia: Quando você acorda em uma caixa de madeira escura, diz a si mesma que isso não está acontecendo. Você tenta empurrar a tampa, claro. Nenhuma surpresa nisso. Você bate nas laterais com os punhos, golpeia o calcanhar contra o fundo. Embora machuque, bate com a cabeça, de novo e de novo. E você grita. Você grita, grita e grita. Vai sentir escorrer catarro do nariz. Lágrimas sairão dos olhos. Até seus gritos ficarem roucos e se tornarem soluços. Aí você vai ouvir sons estranhos, tristes e patéticos, e vai entender a caixa, chegando à conclusão de que ei, estou presa em uma caixa de madeira escura – quando perceber que esses sons vêm de você.

Caixas de pinho não têm superfícies totalmente lisas. Buracos para respiração, por exemplo, podem ser perfurados no improviso. Quando passa os dedos em torno deles, ao tentar cutucá-los com a ponta dos dedos, procurando desesperadamente por algo, você acaba com farpas. Tenta tirar as farpas de madeira com os dentes da melhor forma possível. E então você chupa o dedo machucado, lambe o sangue que está acumulando na ponta e faz mais daqueles sons de cachorrinho triste.

Você está sozinha na caixa. É assustador. É esmagador. Horrível. Principalmente porque você ainda não entende o quanto tem motivo para sentir medo.

Você vai se familiarizar bem com a caixa, essa segunda casa. Vai espremer os ombros contra ela para determinar sua largura. Vai percorrer a extensão dela com as mãos, tentando puxar os pés para perto. Não há espaço suficiente para dobrar os joelhos. Não há espaço suficiente para rolar. Ela tem exatamente o seu tamanho, como se tivesse sido feita para você. Seu próprio caixão de pinho, forçando a base das suas costas, machucando suas omoplatas, deixando a nuca dolorida.

Uma conveniência: jornais forrando o fundo. No início você não nota esse detalhe. Não entende até finalmente perceber. Até urinar em si mesma pela primeira vez, e aí passar dias deitada no meio dos próprios dejetos.
Como um animal, você pensa. Só que a maioria dos animais é tratada
melhor do que isso.

Sua boca ficará seca, seus lábios ressecados. Você vai começar a enfiar os dedos naqueles buracos de ar, dilacerando sua própria pele, só para ter algo para provar, engolir, chupar. Você vai se conhecer de um modo que nunca se conheceu antes. Quebrada. Primitiva. O fedor da sua própria urina. O sal do seu próprio sangue.

Mas você não sabe de nada ainda.

Quando finalmente ouvir passos, não vai acreditar. Dirá a si mesma que está delirando. Está sonhando. Está perdida, um desperdício patético de pele humana. Uma garota estúpida, muito estúpida, que devia ser mais esperta do que isso, e agora olhe só para você. Ainda assim, o som de um cadeado de metal balançando do outro lado da lateral do baú, a centímetros da sua orelha… Talvez você chore novamente. Ou choraria se ainda tivesse algum lágrima.

Quando vê pela primeira vez o rosto dele, do homem que fez isso com você, você sente alívio. Felicidade, até. Observa suas bochechas inchadas, seus olhos pequenos e reluzentes, seus dentes manchados de amarelo, e pensa, graças a Deus. Graças a Deus, graças a Deus, graças a Deus.

***

Primeiro capítulo retirado do lançamento de março da Editora Gutenberg, A garota desaparecida.
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