Leia o primeiro capítulo de A cidade perdida do Deus Macaco

Douglas Preston - Publicado na categoria Resenhas & Trechos em 04/04/2019


“Os Portões do Inferno”

NAS PROFUNDEZAS DE Honduras, numa região chamada La Mosquitia, encontram-se alguns dos últimos lugares inexplorados da Terra. Mosquitia é uma área vasta, sem lei, que cobre cerca de 51.500 quilômetros quadrados, uma terra de florestas tropicais, pântanos, lagoas, rios e montanhas. Os primeiros mapas a rotulavam como Portal del Infierno, ou “Portões do Inferno”, de tão ameaçadora que parecia. A área é uma das mais perigosas do mundo, e por séculos frustrou todos os esforços feitos para penetrá-la e explorá-la. Mesmo agora, no século XXI, centenas de quilômetros quadrados da floresta tropical de Mosquitia permanecem não investigadas cientificamente.

No coração de Mosquitia, a selva mais densa do mundo cobre cadeias implacáveis de montanhas, algumas com cerca de 1.600 metros de altura, cortadas por desfiladeiros íngremes, com cachoeiras elevadas e torrentes estrondosas. Alagado por mais de três mil milímetros de chuva por ano, o terreno é regularmente varrido por inundações e deslizamentos de terra. Contém poças de areia movediça que podem engolir uma pessoa viva. A camada de vegetação rasteira é infestada de serpentes mortais, onças-pintadas e arbustos com espinhos cravados que rasgam a carne e as roupas. Em Mosquitia, um grupo de exploradores experientes, bem equipado com facões e serras, consegue viajar de três a quatro quilômetros por dez brutais horas por dia.

Os perigos de explorar Mosquitia vão além dos impedimentos naturais. Honduras tem uma das maiores taxas de homicídios do mundo. Oitenta por cento da cocaína da América do Sul destinada aos Estados Unidos é enviada através de Honduras, a maior parte dela via Mosquitia. Os cartéis de drogas comandam grande parte do campo e das cidades vizinhas. O Departamento de Estado dos Estados Unidos atualmente proíbe que o pessoal do governo viaje para Mosquitia e para o estado vizinho de Gracias a Dios “devido a informações confiáveis de ameaças contra os cidadãos americanos”.

Esse terrível isolamento tem provocado um curioso resultado: durante séculos, Mosquitia tem sido o lar de uma das lendas mais persistentes e tentadoras do mundo. Em algum lugar desse deserto intransponível, diz-se, repousa uma “cidade perdida” construída de pedra branca. Ela
é chamada de Ciudad Blanca, a “Cidade Branca”, também conhecida como a “Cidade Perdida do Deus Macaco”. Alguns afirmaram que a cidade é maia, enquanto outros disseram que um povo desconhecido e agora desaparecido a construiu milhares de anos atrás.

Em 15 de fevereiro de 2015, eu estava em uma sala de conferências no Hotel Papa Beto em Catacamas, Honduras, ouvindo uma palestra com instruções. Nos dias que se seguiriam, nossa equipe programava voar de helicóptero para o interior de um vale inexplorado, conhecido apenas como Alvo Um, nas profundezas das montanhas do interior de Mosquitia. O helicóptero nos deixaria às margens de um rio sem nome, e ficaríamos por nossa conta para improvisar um acampamento na floresta tropical. Ele se tornaria nossa base enquanto explorávamos o que acreditávamos serem as ruínas de uma cidade desconhecida. Seríamos os primeiros pesquisadores a entrar naquela parte de Mosquitia. Nenhum de nós fazia ideia do que realmente veríamos no solo, envolto em selva densa, numa imensidão intocada que não via seres humanos desde quando se podia lembrar.

A noite caiu sobre Catacamas. O chefe da logística da expedição, de pé na frente da sala de reuniões, era um ex-soldado chamado Andrew Wood, conhecido como Woody. Um antigo sargento no Serviço Aéreo Especial (SAS) britânico e soldado da Guarda Real, Woody era um especialista em guerra e sobrevivência na selva. Ele abriu as instruções dizendo-nos que seu trabalho seria simples: nos manter vivos. Woody havia convocado aquela sessão para se certificar de que estávamos cientes dos vários perigos que poderíamos encontrar ao explorar o vale. Queria que todos nós – até mesmo os líderes da expedição – entendêssemos e concordássemos que sua equipe de ex-SAS estaria encarregada nos dias em que estivéssemos na selva: seria uma estrutura de comando semi-militar, e seguiríamos suas ordens sem contestação.

Era a primeira vez que nossa expedição se reunia em uma sala, uma equipe bastante heterogênea de cientistas, fotógrafos, produtores de filmes e arqueólogos, além de mim, um escritor. Todos nós tínhamos uma experiência amplamente variada em habilidades na selva.

Woody discutiu o tema segurança, em seu conciso estilo britânico. Tínhamos que ter cuidado antes mesmo de entrar na selva. Catacamas era uma cidade perigosa, controlada por um violento cartel de drogas; ninguém deveria sair do hotel sem uma escolta armada. Deveríamos manter nossas bocas fechadas sobre o que estávamos fazendo ali. Não deveríamos conversar sobre o projeto enquanto pudéssemos ser ouvidos pelos funcionários do hotel, ou deixar papéis que se referissem ao trabalho nos nossos quartos, ou fazer chamadas de celulares em público. Havia um grande cofre disponível na sala de armazenagem do hotel para documentos, dinheiro, mapas, computadores e passaportes.

Quanto aos perigos que enfrentaríamos na selva, as serpentes venenosas estavam no topo da lista. A ponta-de-lança (fer-de-lance), ele disse, é conhecida nestas partes como barba amarilla (“barba amarela”). Os herpetologistas a consideram a rainha das víboras. Ela mata mais
pessoas nas Américas do que qualquer outra cobra. De hábito noturno, é atraída por pessoas e por movimento. É agressiva, irritável e rápida. Suas presas podem esguichar veneno a quase dois metros, e elas conseguem penetrar até na mais grossa bota de couro. Às vezes, pode atacar e, em seguida, perseguir e atacar novamente. A cobra geralmente salta quando ataca, golpeando a região acima do joelho. Seu veneno é letal; se não matar você diretamente por uma hemorragia cerebral, pode muito bem matá-lo mais tarde por sépsis. Se você sobreviver, o membro que foi atingido provavelmente terá que ser amputado, devido à natureza necrotizante do veneno. Estávamos indo, disse Woody, para uma área onde os helicópteros não podem voar durante a noite ou dependendo das condições do tempo; a retirada de uma vítima de picada de cobra pode demorar dias. Ele nos disse que devemos usar nossas perneiras de Kevlar contra cobras em todos os momentos, inclusive – especialmente – quando nos levantamos à noite para fazer xixi. Ele nos advertiu a sempre pisar antes em cima de uma tora para depois pisar no solo; nunca devemos colocar os pés no ponto cego de qualquer coisa. Foi assim que seu amigo Steve Rankin, produtor do Bear Grylls, foi mordido quando estavam na Costa Rica explorando uma locação para uma série de TV. Apesar de Rankin estar usando perneiras contra cobras, a ponta-de-lança, que se escondia no lado oposto da tora, o atingiu em sua bota abaixo da proteção; as presas atravessaram o couro como manteiga. “E aqui está o que aconteceu”, disse Woody, mostrando seu iPhone, que passou de mão em mão. Exibia uma imagem aterrorizante do pé de Rankin enquanto passava por cirurgia. Mesmo com o tratamento antiveneno, o pé necrosou e a carne morta teve que ser retirada dos tendões e do osso. O pé de Rankin foi salvo, mas um pedaço de sua coxa teve que ser enxertado para cobrir a ferida aberta. O vale, Woody continuou, parecia ser um habitat ideal para a ponta-de-lança.

Eu dei uma espiada nos meus compatriotas: a alegre atmosfera do grupo no início do dia, com cervejas na mão, ao redor da piscina do hotel, tinha se evaporado.

Em seguida veio uma palestra sobre os insetos causadores de doenças que poderíamos encontrar, incluindo mosquitos e moscas de areia, bichos-de-pé, carrapatos, barbeiros, escorpiões e formigas-bala, cuja mordida causa uma dor equivalente à de ser atingido por uma bala. Talvez a doença endêmica mais terrível de Mosquitia seja a leishmaniose mucocutânea, às vezes chamada lepra branca, causada pela picada de uma mosca de areia infectada. O parasita Leishmania migra para as membranas mucosas do nariz e dos lábios da vítima e as come, criando, por fim, uma enorme ferida dolorosa onde costumava ser seu rosto. Ele enfatizou que era importante aplicar o repelente DEET (Diethyl Toluamide) da cabeça aos pés, regularmente, borrifando também nossas roupas e cobrindo completamente o corpo depois do anoitecer.

Falou-nos sobre escorpiões e aranhas entrando durante a noite em nossas botas, as quais deveriam ser guardadas de cabeça para baixo em estacas enfiadas no chão e sacudidas todas as manhãs. Ele contou das ferozes formigas vermelhas que abundavam no sub-bosque e que, ao menor tremor de um ramo, cairiam como chuva, entrando pelo nosso cabelo, descendo pelo pescoço e mordendo como loucas, injetando uma toxina que exigiria uma imediata evacuação. Olhem com cuidado, avisou ele, antes de colocar a mão em qualquer ramo, galho ou tronco de árvore. Não empurre a vegetação densa ao deus-dará. Além de esconder insetos e cobras arborícolas, muitas plantas têm espinhos e pontas que podem arrancar sangue. Devemos usar luvas na selva, de preferência do tipo de mergulho, que protege melhor contra os espinhos. Avisou-nos como era fácil se perder na selva; muitas vezes era uma questão de vagar a apenas três ou cinco metros de distância do grupo. Sob nenhuma circunstância alguém deveria ser autorizado a deixar o acampamento por conta própria ou se afastar do grupo enquanto estiver no mato. Em cada viagem que fizermos a partir do acampamento base, disse ele, seremos obrigados a levar uma mochila com um kit de suprimentos de emergência – comida, água, roupas, repelente, lanterna, faca, fósforos, capa de chuva – sob a suposição de que nos perderemos e seremos forçados a passar a noite nos abrigando sob algum tronco gotejante. Ganharíamos apitos, e tão logo pensássemos que podíamos estar perdidos, deveríamos parar, emitir um sinal de socorro, e esperar para ser resgatado.

Eu prestei atenção. Prestei mesmo. No conforto da sala de conferência, parecia claro que Woody estava simplesmente tentando nos assustar, oferecendo um excesso de cautela para os inexperientes membros da expedição quanto às condições na vida selvagem. Eu era uma das três únicas pessoas na sala que tinham realmente sobrevoado o Alvo Um, o vale extremamente remoto em que estávamos entrando. Do ar parecia um paraíso tropical banhado pelo sol, e não a selva perigosa, úmida, infestada de doenças e de serpentes que Woody imaginava. Nós ficaríamos bem.

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Este é o primeiro capítulo do livro A cidade perdida do Deus Macaco, lançamento de março da Editora Vestígio.
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