Tomaz Tadeu | Virginia Woolf - Publicado na categoria Palavra da Editora em 23/12/2020
Até o lançamento de As Ondas, previsto para o primeiro semestre de 2021, publicaremos, semanalmente, os nove trechos que Virginia chamava, em seu diário, de “interlúdios”, nos quais uma voz narrativa descreve o movimento do sol desde a madrugada até o anoitecer e uma série de eventos associados a cada um de seus estados. A tradução é de Tomaz Tadeu.
interlúdio II
O sol se levantava. Ondas azuis, ondas verdes estendiam um leque agitado sobre a praia, rodeando o espigão do cardo-marinho e deixando poças rasas de luz aqui e ali. Uma tênue fímbria negra era o rastro que deixavam à sua passagem. As rochas, antes nebulosas e macias, ficavam duras e marcadas com fendas rubras.
Faixas definidas de sombra se estendiam sobre a grama, e o orvalho, dançando na topo das flores e das folhas, fazia o jardim parecer um mosaico de centelhas individuais ainda não formadas num todo. Os pássaros, com o peito sarapintado de amarelo-canário e cor-de-rosa, agora entoavam um acorde ou dois, juntos, loucamente, como patinadores foliando de braços dados, e de repente se calavam, separando-se.
O sol assentava lâminas mais largas sobre a casa. A luz tocava alguma coisa verde no canto da janela e fazia dele uma bolota de esmeralda, uma caverna de puro verde, como uma fruta sem caroço. Aguçava as quinas das cadeiras e das mesas e bordava as toalhas brancas com finos fios de ouro. À medida que a luz aumentava, um botão aqui e outro ali explodia e desvelava flores, nervuradas de verde e vibrando, como se o esforço para se abrirem as tivesse feito tremular, e repicando um débil carrilhão ao baterem seu frágil badalo contra suas paredes brancas. Tudo se tornava suavemente amorfo, como se a porcelana do prato fluísse e o aço da faca fosse líquido. Entrementes, o ímpeto das ondas quebrando se abatia com ruídos surdos, feito toras caindo, sobre a praia.
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