Apresentação
Caros leitores,
Bem-vindos ao livro Filosofia e filosofias: existência e sentidos.
Meu desejo é construir junto com vocês alguns modos de vivermos experiências filosóficas diversificadas e intensas!
Se este é o primeiro contato de vocês com a Filosofia, o livro permitirá dar os primeiros passos e entrar no mundo fascinante em que o pensamento se pensa a si mesmo. Se vocês já têm contato com a reflexão filosófica, encontrarão aqui caminhos para ir mais longe.
Tudo neste livro foi elaborado com cuidado para oferecer possibilidades de compreender filosoficamente a nós mesmos, aos outros e ao mundo na companhia de diferentes filósofas e filósofos, esses nossos amigos mais velhos!
A Unidade 1 abre as portas da Filosofia aos que não a conhecem e convida os que já a conhecem a atravessá-las com olhar renovado. A Unidade 2 é uma coleção de temas bastante significativos em nossa vida cotidiana e que aqui são tratados filosoficamente. Por essa razão, ela é maior do que as Unidades 1 e 3. A Unidade 3, por sua vez, organiza de modo didático alguns elementos que aparecem nas Unidades 1 e 2 e contribui para o estudo sistemático da história do pensamento filosófico.
Seja individualmente, seja com seus companheiros de escola, vocês poderão ler este livro de maneira linear, quer dizer, indo do começo ao fim. Mas também poderão explorar os capítulos fora da ordem em que se encontram, pois eles são autoexplicativos. Além disso, caso desejem uma abordagem histórica tradicional (partindo da Antiguidade, passando pela Idade Média, pelo Renascimento e pela Modernidade, até chegar aos nossos dias), os capítulos 5, 6 e 7 da Unidade 2 permitem um estudo desse tipo, por meio da reflexão filosófica sobre o amor. Mesmo esses capítulos podem ser estudados separadamente; mas, em conjunto, eles formam uma unidade dentro da Unidade 2.
O livro contém ainda uma grande quantidade de textos escritos por filósofas e filósofos, além de recursos culturais (documentos científicos, filmes, obras literárias, pinturas, músicas etc.) dos quais nascem as reflexões aqui apresentadas ou que podem ser tomados como ocasião para continuar a filosofar. Os títulos que acompanham os textos filosóficos nem sempre foram dados pelos pensadores que os escreveram, mas foram elaborados por mim, a fim de chamar a atenção para os pontos centrais de cada construção textual.
O que proponho é que filosofemos juntos, quer dizer, que pratiquemos juntos atos filosóficos em torno de assuntos diversos, procurando desenvolver o hábito da Filosofia ou do filosofar. Vocês perceberão que a atividade filosófica vai muito além da formação escolar, porque envolve muitos – senão todos – aspectos da nossa vida. No entanto, a escola continua sendo um lugar privilegiado para praticar a Filosofia, pois nela temos a possibilidade de nos beneficiar da companhia de nossos professores, amigos, colegas e todos os membros que compõem o ambiente formativo.
Espero que vocês aproveitem ao máximo a minha proposta e tenham o desejo de ir além deste livro, encontrando os próprios filósofos e filósofas por meio de suas obras, indicadas na bibliografia final, e obtendo muito prazer com a atividade de pensar sobre o próprio pensamento.
Participem dos fóruns de discussão e aproveitem o material lá disponibilizado.
Que uma longa e frutífera amizade cresça entre nós!
O autor.
Sumário
Apresentação
Carta aos estudantes 3
Como usar este livro 6
Unidade 1 – Portas para a filosofia
-
Desconstruir para compreender
10
- 10 A porta da existência
- 16 A porta dos saberes
-
Reconstruir para compreender ainda melhor
20
- Filosofar é também propor respostas 20
-
O que é Filosofia?
30
- O que leva a filosofar? 30
- Filosofia e razão 33
- Uma definição de Filosofia 35
-
Filosofias e modos de convencer
38
- Método discursivo 43
- Método intuitivo 65
Unidade 2 – Temas tratados filosoficamente
-
O sentido da existência
72
- Sentido e significado 73
- Não é possível falar sobre o sentido da existência 75
- É possível falar sobre o sentido da existência 77
- A existência não tem sentido; é absurda 84
-
A felicidade
90
- Do prazer à felicidade 90
- A felicidade e o conjunto dos prazeres 94
-
A felicidade como atividade e plenitude
101
Dissertação de problematização 106
-
A amizade
108
- A amizade como jogo de espelhos 110
- A amizade como atividade 112
-
Sexualidade e força vital
120
- Sexualidade humana e comportamento animal 121
- A sexualidade e a Psicanálise 124
-
A força vital
128
Dissertação de síntese filosófica 138
-
Desejo e amor
142
- O amor é cego ou enxerga bem? 143
- Desejo e amor 146
- Amor e Beleza 147
- Amor e Formas 149
- O Amor, as Formas e o Bem 154
- Amor e educação 155
-
Do amor de amigo ao amor sagrado
162
- O amor de amigo 163
- O amor sagrado 166
- O amor como “coisa de outro mundo” 170
- Contradição da contradição 175
-
Do amor cortês ao amor hoje
182
- O amor cortês 183
- O amor-paixão 186
- O amor-paixão e seu controle 190
- O amor romântico 193
- O amor no pensamento contemporâneo 196
-
Sociedade, indivíduo e liberdade
204
- Sociedade: algo natural ou construção histórica? 205
- Sociedade, indivíduo e liberdade 213
-
Sociedade e desigualdade
218
Dissertação de contradição 229
-
Natureza, Cultura e pessoa
230
- Concorrência e colaboração na Natureza 231
- A Natureza 234
- A Cultura 236
- A pessoa 239
- O cerne da pessoa 242
-
Política e Poder
246
- Interesse e participação política 247
- A Política como serviço ao bem comum 250
- A Política como fim em si mesmo 253
- O Poder e o Estado 256
- Cidadania e democracia 258
-
A prática ética
262
- Atos e hábitos 264
- Ética e razão 268
- Ética e paixão 272
-
Ética, cidadania e Direitos Humanos
274
Dissertação argumentativa 280
-
Experiência estética e experiência artística
282
- A arte é uma possibilidade para todos 284
- A beleza 287
- A arte vista pelos próprios artistas 298
- Experiência estética e contexto 300
-
A experiência religiosa
306
- A experiência religiosa 308
- A experiência religiosa é uma experiência de quê? 310
- O Sagrado ou o Numinoso 314
- Irreligiosidade e ateísmo 317
- O deísmo e o teísmo 323
- Religião e convivência republicana 330
-
O conhecimento
334
- A representação da realidade 335
- Análise crítica da representação: o ceticismo 340
- Realidade e linguagem 343
- Realidade e consciência 348
- O conhecimento nas ciências naturais 357
- O conhecimento nas ciências humanas 361
Unidade 3 – A Filosofia e sua história
-
Chaves de leitura para o estudo de História da Filosofia
370
- A mitologia grega e a formação da Filosofia 371
- O nascimento da Filosofia 373
- As filosofias antigas 376
- As filosofias patrísticas 378
- As filosofias medievais 380
- As filosofias renascentistas 382
- As filosofias modernas 385
- As filosofias contemporâneas 389
- Filosofia no Brasil 393
Índice analítico 395
Bibliografia consultada e sugerida 398
Manual do professor 401
Como usar
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Conheça o livro
PNLD 2018 Ensino Médio - Filosofia e filosofias
Sobre Filosofia no Ensino Médio
Textos de Juvenal Savian Filho e outros autores
(A voz de um filósofo africano)
Pierre Bamony - Doutor em Filosofia e em Antropologia
Entrevista com Noam Chomsky
Juvenal Savian Filho
Por um ensino autêntico de Filosofia
Em livro voltado para o Ensino Médio, autor faz conexões entre conceitos filosóficos e o cotidiano dos jovens.
A filosofia permite uma humanização mais eficaz, não porque ensina respostas determinadas, mas porque intensifica nossa autoconsciência e, por conseguinte, colabora para dispormos de nós mesmos com mais liberdade, maturidade e felicidade, explica Juvenal Savian Filho, professor da Universidade Federal de São Paulo.
Autor do recém-lançado Filosofia e filosofias: existência e sentidos, o professor mostra na obra como, em nosso cotidiano, sempre praticaremos Filosofia em certo grau se fizermos a pergunta pelo sentido do que somos, pensamos, sentimos e fazemos. “É só assim que a vida se torna autêntica, que começamos a saber jogar com todos os elementos que condicionam a nossa vida e a produzir espaços de liberdade”.
Em entrevista ao Carta Educação, o professor falou sobre o livro e a necessidade de enxergar a atividade filosófica para além da formação escolar.
Carta Educação: Qual a proposta do livro Filosofia e filosofias: existência e sentidos?
Juvenal Savian Filho: Proponho o livro como um recurso para que os leitores tenham experiências filosóficas autênticas e diversificadas. Aliás, não há apenas um ponto de partida no livro, mas vários, porque a leitura não precisa começar necessariamente pelo primeiro capítulo, mas por qualquer um deles. Os diferentes pontos de partida são sempre tomados da experiência cotidiana, da literatura, da ciência, da arte, etc. Com isso, o objetivo é permitir a vivência de experiências filosóficas, mais do que uma doutrinação ou uma formatação mental específica. O livro se dirige principalmente aos estudantes do Ensino Médio, mas também aos interessados em geral pela Filosofia e a todos os amantes da leitura e da reflexão.
CE: Quão importante é fazer conexões entre conceitos filosóficos e o cotidiano?
JSF: Para percebermos que a reflexão dos filósofos e das filósofas nasce, em grande medida, de experiências semelhantes às nossas. É claro que certas frentes de reflexão filosófica podem ser “distantes” de nosso cotidiano mais imediato. Um exemplo bastante simples: pode parecer uma especulação separada da vida perguntar se os números são entidades existentes por si mesmas ou se são meros símbolos para retratar convenções; por outro lado, se o assunto são leis, direitos e justiça, uma discussão desse tipo não parecerá nada separada da vida, pois ninguém duvida da importância extrema que há em perguntar se as leis são entidades existentes por si mesmas ou se são convenções, se elas refletem algo da natureza ou se apenas são construções históricas, se são justas pelo simples fato de serem leis ou se a justiça é algo que transcende o mero aparato jurídico de um grupo social. Essas e outras questões mostram quão importante é fazer conexões entre nossas experiências e conceitos filosóficos, principalmente no nível do Ensino Médio, pois nossos jovens merecem um cuidado pedagógico especial que contribua para essa fase tão intensa e ao mesmo tempo tão delicada de seu trabalho de humanização.
CE: O que seria esse processo de humanização?
JSF: No atual contexto produtivista, as disciplinas escolares, sobretudo quando organizadas em função do vestibular, sequer levantam a temática da humanização. Elas operam no registro da hominização, ou seja, da transmissão do estritamente necessário para distinguir-se das outras espécies animais: a assimilação da cultura tradicional, mas não o desenvolvimento das pessoas como sujeitos culturais. Isso não significa necessariamente humanizar-se, tarefa que implica assumir tudo o que determina cada indivíduo e grupo, a fim de desenvolver ao máximo possível e da maneira mais elaborada possível as potencialidades que são propriamente humanas: o pensamento e a liberdade.
CE: O que seria compreender filosoficamente a nós mesmos, aos outros e ao mundo?
JSF: Implica parar de crer que os pensamentos que temos sobre nós mesmos, sobre os outros e sobre o mundo são pensamentos “naturais” ou “normais”; implica também dar-se conta de que os conteúdos de tais pensamentos são, em grande medida, construídos. Compreender filosoficamente a nós mesmos, aos outros e ao mundo requer como primeira tarefa desconstruir os pensamentos que nos fazem falar de “eu/nós”, “outro” e “mundo”. Mas desconstruir não significa destruir! Essa é uma ilusão típica de iniciantes. Desconstruir significa desmontar para ver como funciona. É uma das tarefas mais básicas da Filosofia, sem ainda emitir juízos sobre o pensamento analisado, mas apenas mantendo-se no intuito de entender o funcionamento interno de tal pensamento.
Uma vez desconstruído um pensamento, podemos recusá-lo ou concordar com ele. Por outro lado, não se trata também de apenas fazer análises de pensamentos, procurando, por exemplo, explicações com base nos esquemas causa-efeito ou ação-reação. Se fosse só isso, a Sociologia, a História, a Psicologia, as Neurociências e mesmo as Ciências da Natureza dariam explicações melhores. Trata-se de entender os movimentos do próprio pensamento no seu trabalho de formular descrições e explicações, descobrindo e construindo sentidos; é um movimento em que o pensamento pensa o próprio pensamento. É, no limite, aquilo que prova cabalmente que o ser humano é um ser de significação e não se reduz a um aglomerado de células dirigidas por um cérebro cego e voluptuoso em busca de compensação.
CE: A atividade filosófica vai muito além da formação escolar. Como podemos praticar filosofia em nosso cotidiano?
JSF: A filosofia permite uma humanização mais eficaz, não porque ensine respostas determinadas, mas porque intensifica nossa autoconsciência e, por conseguinte, colabora para dispormos de nós mesmos com mais liberdade, mais maturidade e mais felicidade. Não se trata de refinar as pessoas, nem de conscientizá-las, como se elas não tivessem nenhuma consciência. Trata-se de contribuir para que elas levantem a pergunta essencial pelo que significa existir, conhecer, pensar, amar, agir. Existir é simplesmente seguir o turbilhão de coisas a que estamos acostumados no trabalho, na escola, na família, etc.? Existir é ser pessimista, otimista? Quais as razões do pessimismo e do otimismo? Chegar nesse tipo de pensamento é uma das contribuições mais urgentes da Filosofia. Em nosso cotidiano, sempre praticaremos Filosofia em certo grau se fizermos a pergunta pelo sentido do que somos, pensamos, sentimos e fazemos. É só assim que a vida se torna autêntica, que começamos a saber jogar com todos os elementos que condicionam a nossa vida e a produzir espaços de liberdade.
CE: Em sua opinião, o ato de filosofar está perdendo espaço no mundo atual?
JSF: Sim e não. Hoje, perde espaço tudo o que representa o pensamento articulado, gerador de unidade e buscador de coerência, a produção artística paciente e que se dá o direito de ser menos autorreferente e narcisista, enfim, toda experiência que respeite o tempo da criação, a abertura amorosa à alteridade e a aceitação de que a vida nunca será inteiramente controlável. Ao invés disso tudo, ganha espaço a dispersão, a rapidez, a mercadoria, o consumo, o virtual que dispensa o contato físico, o tempo que não apenas devora tudo, mas que a tudo joga na indiferença. Curiosamente, porém, em vários cantos do planeta se tem denunciado essa dinâmica e se tem valorizado a atividade filosófica como reflexão que encontra os sentidos fornecedores de unidade às diversas experiências.
Para falar uma língua mercadológica, podemos evocar aqui o fato de que algumas indústrias e companhias multinacionais dão hoje preferência a profissionais com formação humanista, especialmente filosófica, porque esses profissionais têm maior capacidade de visão de conjunto, de operação com situações e pensamentos complexos, de enfrentamento e solução de conflitos. Há escolas que reintroduziram Filosofia com urgência porque perceberam que seus estudantes estavam se tornando cada vez mais frios, calculistas, incapazes de demonstrar afeto e respeito humano. É óbvio que seria muito melhor se a reflexão filosófica fosse valorizada por si mesma e nas suas próprias potências, mas se o contexto atual dificulta tal valorização, então a valorização pelo negativo não deixa de ser válida.
CE: No Brasil, o cenário é o mesmo?
JSF: O Brasil vive uma ambiguidade que beira a estupidez. Hoje, ele é o país que mais investe dinheiro público em Filosofia, desde a contratação de professores do Ensino Médio até o financiamento de pesquisas pós-doutorais no exterior. Temos tudo para criar uma cultura filosófica geral e democratizar o acesso a ela. Aliás, já temos sentido efeitos extremamente positivos nas gerações pós-2008 quando a Filosofia tornou-se novamente obrigatória no Ensino Médio. No entanto, o atual governo corre o risco de pôr o Brasil em pleno retrocesso histórico e na contramão de países ricos. Como? Defendendo que, para modernizar-se, o Brasil precisa de mão de obra especializada. Essa é uma máscara para cortar os investimentos em Filosofia e Ciências Humanas e para priorizar a formação técnica. O atual governo chega a ser perverso ao dar a entender que formação técnica não combina com formação humanista.
Não deixa de haver certa verdade no pensamento segundo o qual, em um sistema capitalista, é preciso desenvolver a produção técnica com mão de obra especializada, pois é essa mesma produção que permitirá financiar cultura – inclusive a Filosofia. O problema é o que o governo está operando no registro de uma falácia, a de defender que a formação de mão de obra especializada se faz por exclusão ou diminuição da formação humanista. O governo atual está nos obrigando a voltar ao Brasil do início dos anos 1970, com a pauta desenvolvimentista e a valorização exagerada do ensino técnico, sem reflexão. Vamos formar máquinas humanas. Mas não nos esqueçamos: máquinas humanas também deprimem, adoecem, perdem o sentido e o gosto de viver, revoltam-se, dificultam a vida em comum.
CE: Quais os diferenciais do livro didático que você acabou de publicar pela Editora Autêntica?
JSF: Em primeiro lugar, um diferencial é o fato de o livro ser escrito por temas e de o tratamento dado aos temas permitir uma formação segura em referenciais básicos de história da filosofia, de lógica, de prática argumentativa e de crítica cultural, mas tudo sempre em harmonia com os temas dos capítulos. Aliás, procurei oferecer dados históricos e filosóficos atualizados, sem continuar a repetir no Ensino Médio coisas que nas pesquisas universitárias já ninguém mais diz, por exemplo, chamar Platão de “dualista” ou de “ingênuo”; tratar os filósofos antigos e medievais como irrelevantes para os modernos e os contemporâneos; deixar no esquecimento autores judeus e muçulmanos.
Também procurei sempre partir de dados cotidianos. Foi um ponto de honra, em muitas partes do livro, iniciar pelas imagens – pinturas, desenhos, fotos – e só então compor o texto, evitando que as imagens fossem manipuladas como acessórios dispensáveis. O mesmo ocorreu com dados culturais – filmes, peças, danças, livros, músicas, esculturas. Outro diferencial é que trato com profundo respeito a experiência religiosa. De fato, apresento os pontos de vista teísta, deísta e ateu, procurando entender filosoficamente as razões de alguém ter fé ou não. Foi-se o tempo de crer que todo filósofo deve gritar que a religião é o ópio do povo e não justificar seu ponto de vista. Aposto no diálogo e no interesse mútuo mesmo quando o tema é delicado ou tenso. Invisto sobremaneira nos exercícios dissertativos, pois estudantes treinados em dissertação são capazes de resolver exercícios de testes, mas o inverso não ocorre.
Publicado originalmente no Carta Educação, em 19/12/2016.
O “hábito da filosofia” (ou sobre a filosofia no Ensino Médio)
Juvenal Savian Filho (Unifesp)
O texto de Marcelo Carvalho, publicado na Coluna da Anpof no último dia 02, possui, entre outros, o mérito de tocar em dois temas que a comunidade filosófica brasileira tem valorizado bastante no debate sobre a presença da filosofia no Ensino Médio: (i) o tratamento do ensino/aprendizado filosófico ao modo de uma disciplina escolar ou ao modo de uma prática transversal; (ii) o papel da história da filosofia no currículo escolar.
A respeito do primeiro tema não tenho nada a dizer, pois concordo inteiramente com o teor da reflexão de nosso colega e presidente de nossa associação, sobretudo no sentido de que seria um erro de estratégia assimilar, neste momento, elementos do discurso governista e relativizar a obrigatoriedade da disciplina de filosofia no Ensino Médio (o que não significa afirmar que não haveria aspectos a discutir sobre o modo como a disciplina é vista em nossas escolas e mesmo em nossas faculdades).
Gostaria apenas de propor uma continuidade da reflexão sobre o segundo tema levantado por Marcelo Carvalho, cujo tratamento, aliás, também me parece acertado. De saída, esclareço que, a meu ver, ele se refere à história da filosofia não como apresentação totalizante da “filosofia na História” (dos pré-socráticos ao século XXI), mas como aquilo que, em debates especializados, alguns chamam de “história filosófica da filosofia”, quer dizer, um estudo do pensamento das diversas filosofias por meio da identificação de suas razões internas, de sua conexão com seu tempo histórico e na sua relação – na medida do possível e do viável – com experiências contemporâneas. Dessa perspectiva, o tratamento do tema parece realmente acertado, pois evita a ilusão de que seria factível e desejável trabalhar a história de “toda” a filosofia no Ensino Médio e considera realisticamente que, segundo as expectativas nutridas em relação a essa fase da formação de nossos jovens, importa menos determinar quais “momentos” (autores, temas, problemas, conceitos) estudar e mais propiciar aos estudantes o desenvolvimento de um modo filosófico de pensar/proceder, principalmente pela habilidade discursivo-argumentativa e pela busca de novas perspectivas na compreensão de nossa experiência. Como diz Marcelo Carvalho, a referência a uma história da filosofia é de fato “relevante, mas secundária”.
No entanto, movido pelo desejo de ver prolongada essa reflexão aqui nesta instância de debate que se anuncia tão promissora, proponho a continuidade do diálogo aberto pelo texto de Marcelo Carvalho, na expectativa de conhecer algumas das diferentes maneiras como os colegas concebem o papel da história da filosofia no trabalho no Ensino Médio. Juro que não fui tomado por nenhum espírito poliânico, como se não visse o mundo caindo sobre nossas cabeças em nosso país e me pusesse a levantar um debate menos urgente. Muito pelo contrário, creio que a clareza sobre os conteúdos ou o currículo de filosofia no Ensino Médio pode ajudar a obter clareza sobre a conveniência do modelo de ensino de filosofia pelo qual desejamos lutar: uma disciplina ou um saber transversal. Já adianto que sou favorável ao modelo do tratamento transversal e ao modelo de disciplina, dada a natureza do saber filosófico (assim como ocorre com a literatura e outros saberes) e a importância de respeitar o seu caráter técnico.
Como uma pequena contribuição nesse diálogo, gostaria de partilhar brevemente alguns aspectos de minha experiência, para, na sequência, arriscar uma também breve elaboração, digamos, mais teórica. Desde quando lecionei no Ensino Médio percebo que se tem tornado comum afirmar que as metodologias do ensino/aprendizagem de filosofia (por meio do estudo da história da filosofia, da lógica, de temas, da criação de conceitos ou de problemas) são opções diferentes e mesmo independentes entre si. Mas, em meu trabalho, sempre tive dificuldades de me “libertar” da referência à história da filosofia. Por exemplo, quando optei por enveredar por caminhos preferencialmente lógicos (apresentando algo como um “cálculo de predicados” para iniciantes), percebi que oferecia um bom instrumental que treinava os estudantes na análise e construção de discursos, mas que esse treino podia ser feito por qualquer outro profissional e sem necessariamente um caráter filosófico. Logo me dei conta de que corria o risco de formar jovens brilhantes em análise, mas completamente alheios a referências filosóficas que sem dúvida contribuiriam mais consideravelmente para a interpretação das experiências que interessava a eles elucidar (sem falar que, em geral, o estudo de um argumento oculta as inúmeras variações sofridas ao longo da história da filosofia pelo significado dos termos presentes no argumento, ocultamento esse que dá a impressão de se estar diante da melhor maneira de tratar do assunto em pauta, quando, na realidade, tal maneira é apenas uma, mesmo que formalmente correta; em outras palavras, um argumento bem montado não equivale necessariamente a uma compreensão exaustiva nem a um bom retrato dos conceitos expressos por seus termos).
Algo análogo percebi quando tentei abordagens ligadas às propostas de “criação de conceitos” e de estudos de temas e problemas, pois, quando não havia referências claras a autores, tornava-se muito difícil preservar o caráter filosófico da atividade (sem falar em como é difícil, se não impossível, sermos precedidos por milênios de história e buscarmos originalidade na “criação de conceitos” e no tratamento de temas e problemas). Isso não quer dizer que a atividade, para ser filosófica, precise ser mera repetição do que disseram filósofas e filósofos, mas que convém iluminar com métodos e conteúdos já pensados por eles não apenas a compreensão de experiências atuais (quando há conexão obviamente), mas também a busca de respostas a assuntos novos.
Numa palavra, minha conclusão “prática” foi a de que manter a história da filosofia no horizonte era a maneira mais segura e talvez mesmo a melhor para garantir o caráter filosófico de meu trabalho em sala de aula, evitando que ele se tornasse apenas um “ensinar a pensar com correção” ou uma “análise existencial” (tarefas que profissionais de outras áreas também podem fazer). Nesse contexto, foi uma grande descoberta para mim a Proposta curricular para o ensino de Filosofia, publicada nos anos 1990 pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (de cuja redação participaram Franklin Leopoldo e Silva e Celso Favaretto, entre outros) e que, sem abrir mão da centralidade da história da filosofia como fonte do sentido propriamente filosófico do ensino, relativizava a sua abordagem propondo itinerários formativos por temas de interesse contemporâneo (basicamente epistemologia, política e estética). Posteriormente, a publicação dos Parâmetros Curriculares para o Ensino Médio, de 2000, e das Orientações Curriculares para o Ensino Médio, de 2006, ambos oriundos do Ministério da Educação, confirmaram essa orientação em que a história da filosofia permanece como o horizonte do ensino de filosofia, sem supor com isso a pretensão totalizante da narrativa histórica nem nada como uma linearidade, uma evolução, uma história de problemas arquetípicos que receberiam tratamento ao longo dos séculos (visão em grande medida ilusória) ou algo do gênero.
Neste caminho formativo, um elemento vindo de minha área de especialização (filosofia na Antiguidade Tardia e na Idade Média) permitiu-me, em minha “síntese” pessoal, exprimir a minha experiência e a minha visão do papel da história da filosofia no Ensino Médio em termos de desenvolvimento do “hábito da filosofia”: assim como alguns medievais falavam de “hábito da ciência” e de “ciência” (distinção semelhante àquela que se fará em fenomenologia entre o saber como ato, Wissen, e o saber como patrimônio à espera de ser vivificado por indivíduos e grupos, Wissenschaft), pareceu-me adequado empregar a expressão “hábito da filosofia” para designar aquilo que almejamos com nosso trabalho. A história da filosofia apresenta-se como um patrimônio a ser vivificado por atos de estudo histórico ou de estudo de temas contemporâneos iluminados por diferentes filosofias, atos esses que, por sua vez, imprimem em seus praticantes algo como uma “segunda natureza”. Eu via que tanta energia era despendida para tentar resolver o enigma sobre o que ensinamos (filosofia ou filosofar?), quando, na realidade, ensinamos as duas coisas, pois, com certos conteúdos e métodos ensinamos ou despertamos um modo de viver ou, pelo menos, de pensar. A ideia de hábito, aliás, remetendo ao desenvolvimento de uma disposição a sempre comportar-se de maneira análoga diante de objetos análogos, parece mesmo resistir aos conflitos das diversas filosofias, com a vantagem de sequer pressupor o compromisso com a afirmação de uma subjetividade ou consciência (algo tão problemático para algumas formas contemporâneas de pensamento).
Há, no entanto, a dificuldade proveniente do dado segundo o qual todo hábito implica um objeto (o sentido que determina o ato cuja repetição produz o hábito): como ousar falar de objeto da filosofia?
Minha solução foi simplesmente evitar a ampliação da temática, não indo para o nível “da” filosofia ou “das” filosofias (porque nada, nos termos de minha síntese pessoal, obrigava a tal ampliação), mas permanecendo no âmbito da preocupação com a filosofia no Ensino Médio. Ora, se a referência à história da filosofia mostra-se como a maneira segura de garantir o caráter propriamente filosófico de nosso trabalho, então o objeto que permite o desenvolvimento do hábito da filosofia no Ensino Médio aparece com clareza: é a própria história da filosofia. Em outras palavras, o estudo da história da filosofia (por ela mesma ou para iluminar experiências contemporâneas) mostra-se como algo que permite desenvolver nos estudantes um modo filosófico de ser, pensar e agir (ou pelo menos de pensar).
Lembrando que as Orientações Curriculares para o Ensino Médio não fixam conteúdos específicos para o ensino de filosofia (e esperando que os colegas que formulam questões para o ENEM tenham sempre isso em vista e não tratem a filosofia de modo vestibularesco nem importem o modelo totalizante da “filosofia na História”), também dessa perspectiva parece adequado considerar que o objeto do hábito da filosofia seja a própria história da filosofia (compreendida como história filosófica da filosofia), pois ela respeita a multiplicidade das filosofias ou das formas enfeixadas sob a extensa expressão “pensamento filosófico”. Assim, o estudo de algumas delas ou de partes de algumas delas já é suficiente para despertar e desenvolver o hábito de tudo avaliar considerando a possibilidade de múltiplas leituras, mesmo quando se termina por optar por uma determinada unidade de sentido. Nesse hábito pode-se encontrar, aliás, uma das raízes de uma convivência republicana que não tenha medo do debate, da contradição e da diferença, nem também do trabalho de justificar-se em termos que o maior número de interlocutores possa compreender. Minhas melhores memórias do meu trabalho com adolescentes referem-se a situações em que partíamos de algo que dizia respeito à nossa vida atual e encontrávamos semelhanças ou chaves de compreensão em textos filosóficos. Essa experiência de “encontro” era até mais marcante do que as tentativas de fazê-los chegar por si mesmos a alguma conclusão ou a algum argumento cogente.
A minha partilha aqui, sobretudo no modo sumário como a faço, tem certamente limitações e talvez até equívocos que ainda não vejo. Eu ficaria muito contente se colegas me ajudassem a refletir sobre minha visão do papel da história da filosofia no Ensino Médio e mesmo a criticá-la, a melhorá-la e eventualmente – por que não? – a abandoná-la. Mas, acima de meu interesse particular, creio ser pertinente dedicarmos atenção ao tema do currículo e do que se espera com o ensino de filosofia. Das conclusões às quais chegarmos dependerá certamente nossa visão sobre o ensino “disciplinar” ou “transversal”. Dada a especificidade técnica da história filosófica da filosofia (horizonte que ainda considero o mais adequado para dar um sentido propriamente filosófico à nossa atividade no Ensino Médio), parece-me altamente desejável que se mantenha a filosofia como disciplina, a menos que os professores das outras disciplinas também sejam formados em filosofia e sejam aptos a fazer sobressair a transversalidade filosófica. Receio que, do contrário, a prática do ensino transversal se reduza à repetição de informações estéreis e de clichês vindos da impossível e equivocada história totalizante da filosofia (em suas versões nada totais, mas sim parciais e arbitrárias, quando não caducas). Seria a morte da filosofia no Ensino Médio.
Publicado originalmente na Coluna ANPOF, em 07/11/2016.
Marta Vitória de Alencar Muito bom Juvenal Savian! Instigante! Adorei o conceito de "hábito da filosofia". Me dá o que pensar. Seu texto me despertou a necessidade de compreender melhor a possibilidade da experiência filosófica, o filosofar, numa prática de ensino em que a filosofia ocorreria como conteúdo transversal de uma outra disciplina, de um outro hábito, e se as filosofias poderiam ser experenciadas em hábitos que não são filosóficos, e se professores que não transitam pelo filosofia poderiam ocasionar essa experiência.
7 de novembro às 14:46
Juvenal Savian Querida Marta Vitória de Alencar, fico muito contente por saber que meu texto a instigou, pois admiro muito seu trabalho sobre a filosofia no EM e me agrada esse nosso diálogo! Quanto às suas perguntas, elas convergem inteiramente para o que tenho tentado refletir neste momento em que se fala de filosofia como disciplina ou conteúdo transversal. A conversa seria longa e acho que teremos ocasião de retomá-la com calma. Eu diria aqui, de modo resumido, que, a meu ver, por ser a filosofia, entre outras coisas, um "saber de fundamentos" (dito de modo bastante amplo e não necessariamente como busca de fundamento - tema complexo e polêmico -, mas como investigação de fundamentos assumidos por outros saberes), ela então seria muito bem praticada em outras disciplinas se estas colocassem a questão justamente dos seus próprios fundamentos. Assim, um físico, um biólogo, um gramático e outros, se começarem a perguntar-se e a refletir sobre o que justifica seus métodos e sobre o nascimento dos conceitos com que operam, entrarão em registro filosófico. Vc não acha? Segundo essa mesma linha de reflexão, estou convencido de que é possível sim, e mesmo desejável, que a filosofia seja experienciada em hábitos, documentos, fontes, instrumentos e métodos não filosóficos. Tratar-se-ia de trazer à tona o que há de filosófico neles. Aliás, não é sobre conteúdos vindos dos outros saberes que a filosofia opera majoritariamente? (Penso sobretudo no modo como hoje a filosofia é praticada; é claro que seria possível fazer filosofia como fenomenologia, por exemplo, mas mesmo nesse caso a descrição fenomenológica não ignora os resultados dos outros saberes!). No entanto, quanto à possibilidade de professores que não transitam pela filosofia ocasionarem essa experiência, acho difícil! Eles até podem tocar em aspectos filosóficos e mesmo entrar em cheio numa reflexão filosófica, mas, se não sabem que o fazem ou se permanecem em algo como uma "atitude ingênua", então só muito dificilmente terão condições de respeitar e de explorar o caráter propriamente filosófico de suas práticas ou reflexões. Por essa razão, voltando ao tema da filosofia como disciplina ou conteúdo transversal, eu defendo radicalmente que a filosofia continue a ser tratada como disciplina. No melhor dos mundos, os outros professores teriam boa formação também em filosofia e conseguiriam explorar sua transversalidade. Mas não é o caso... Aliás, fico aqui pensando que, mesmo se estivéssemos no melhor dos mundos, os professores de outras disciplinas também sentiriam a necessidade de trabalhar as especificidades, digamos, "técnicas" da filosofia e certamente reconheceriam a importância de uma disciplina própria. Ufa! Desculpe se escrevi demais aqui... rs... Beijo!
8 de novembro às 11:50
É evidente que há uma natureza humana!
Entrevista com Noam Chomsky
Avram Noam Chomsky é filósofo, linguista, especialista em ciências cognitivas e ativista político norte-americano. Nasceu em 1928, na Filadélfia, Estados Unidos, e é Professor Emérito de Linguística no Instituto Tecnológico de Massachussets. Curiosidade: Bono Vox, vocalista da banda irlandesa U2, chamou Chomsky de o “o Elvis Presley dos intelectuais”.
Fonte: Philosophie Magazine, França, março de 2017, pp. 8-13.
Entrevistador: Martin Legros
Tradutor: Juvenal Savian Filho
Palavras-chave: natureza humana – culturas – eleição de Trump – meios de comunicação – poder – era nuclear – Antropoceno – pós-verdade – política – mentira – atenção – linguagem – gramática universal – computação – inteligência artificial – ciência – método científico – liberdade de expressão – fatos históricos – caso Faurisson
De passagem por Paris um dia depois da eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, o célebre linguista e filósofo Noam Chomsky, que é também um veemente crítico da propaganda midiática e do imperialismo americano, concedeu esta entrevista exclusiva. Percorrendo o conjunto do seu itinerário e de sua obra, a ideia de natureza humana aparece como o alicerce de sua luta contra todos os poderes.
Focus on what matters! (Concentrar-se no que importa!), responde Noam Chomsky a uma jovem que lhe pergunta: O que fazer hoje em dia, Sr. Chomsky?. Estamos no Centre Wallonie-Bruxelles, em Paris, onde o linguista acaba de receber a medalha de ouro da Sociedade Internacional de Filologia. A cerimônia ocorreria na Assembleia Nacional, mas, por causa de pressões obscuras, o grupo socialista que devia acolhê-lo virou a casaca. A revista Philosophie Magazine, que ia encontrar o filósofo naquela manhã, lançou um apelo ao público para que o evento acontecesse apesar de tudo. Eminente linguista, Chomsky é também um intelectual engajado que critica de maneira contundente a propaganda dos meios de comunicação e o imperialismo americano. A ligação entre as ideias desse filósofo da linguagem e suas tomadas de posição políticas não é evidente, a tal ponto que alguns defenderam haver dois Chomskys. No entanto, é o mesmo homem que nós entrevistamos sobre a eleição de Trump, sobre sua própria vida e sobre sua obra. Em todos esses campos, seu pensamento desafia nossos hábitos mentais. Depois de Lévi-Strauss, Foucault e Derrida, procuramos o sinal da liberdade na plasticidade humana e na multiplicidade das culturas. Chomsky, por seu turno, defende a ideia de uma natureza humana constante e a ideia de estruturas mentais inatas; e é nessas duas ideias que ele encontra o fundamento de nossa liberdade. Se fôssemos totalmente maleáveis, diz ele, se não tivéssemos a rocha da natureza, não teríamos a força de resistir. Nem de nos concentrar no essencial quando tudo é feito para nos distrair.
A eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos marca a entrada em uma nova era política?
Noam Chomsky: Tomemos um pouco de distância para avaliar bem. Ao final da Segunda Guerra Mundial, precisamente em 6 de agosto de 1945, uma nova era nasceu, a era nuclear. Com a arma atômica, a Humanidade adquiriu os meios de pôr fim à sua própria existência. Com a disseminação do campo nuclear, muitos incidentes colocaram-nos a apenas alguns minutos do desastre. Todavia, as oportunidades que desde então se apresentaram para reduzir ou eliminar a ameaça foram todas ignoradas. Mas o que não sabíamos em 1945 é que uma segunda era começava: o Antropoceno, definido pelo impacto destruidor da Humanidade sobre o meio ambiente e pela extinção de espécies. Há alguns meses, durante o Congresso Internacional de Geologia, os cientistas recomendaram que o ano de 1945 fosse estabelecido como a aurora dessa nova era geológica. O Antropoceno começou exatamente no mesmo momento em que começou a era nuclear! Essas duas eras correm o risco de convergir amanhã, quando as migrações climáticas e os conflitos pela água envolverão potências nucleares. O fim da Segunda Guerra Mundial aparece, então, como o momento em que a Humanidade entrou em uma marcha sistemática para o precipício. O dia 8 de novembro de 2016 nos fez dar um passo a mais.
A eleição de Trump seria um evento histórico tão importante quanto o Antropoceno?
A julgar pelos ecos midiáticos, não seria extravagante afirmar isso. Veja a capa que a revista alemã Der Spiegel consagrou ao acontecimento: a cabeça de Trump com seus cabelos em fogo e a boca aberta derretendo sobre a Terra como o asteroide que destruiu os dinossauros durante a precedente extinção de espécies. O título era: “O fim do mundo (tal como o conhecemos)”. Mas o que faz do dia 8 de novembro de 2016 um dia histórico não é a eleição de Trump, e sim outro evento que passou despercebido: na cidade de Marraquexe, no Marrocos, durante a COP22, a Organização Meteorológica Mundial publicou um relatório mostrando que os cinco últimos anos foram os mais quentes já registrados, que as geleiras estão derretendo mais rápido do que previsto e que, por conseguinte, o nível dos oceanos está subindo também mais rápido. A conferência de Marraquexe devia pôr em prática o acordo da COP22, assinado em Paris um ano antes por duzentos países, inclusive os Estados Unidos e a China. Ora, Trump anunciou que ele pretendia romper esse acordo. Quando a notícia de sua eleição chegou a Marraquexe, todas as esperanças pareceram vãs. O espetáculo foi estarrecedor: de um lado, a China autoritária se apresentou como voluntária para preservar a civilização, ao passo que o líder do mundo livre passou a encabeçar as potências que buscam destruir o planeta. Eis o que faz do 8 de novembro de 2016 um dia ímpar.
Fala-se de uma era marcada pelo fim da verdade em política...
Isso não é novidade nenhuma. Se você nasce nos Estados Unidos, lhe contam que a Revolução Americana foi movida pelo desejo de emancipação de todo um povo contra a tutela inglesa. Na realidade, a maior parte dos “revolucionários” era de proprietários de escravos e de partidários da exterminação de índios; eles passaram a falar de ruptura com a Inglaterra bem no momento em que ela ia banir essas práticas. Foi simples assim. Tomem o exemplo da Guerra no Iraque, conduzida em 2003 pelos norte-americanos que tomavam por base as mentiras deslavadas da administração Bush. Essa guerra foi reconhecida como uma agressão mentirosa? Os crimes cometidos foram julgados? Hoje, Obama é aplaudido porque reconheceu que foi um “erro”. Um pouco simples demais, você não acha?
A política é fundada na mentira?
Digamos que ela inclui muitas mentiras e que os espíritos críticos só raramente conseguem fazer implodir as mentiras coletivas. Mas isso também vale para a história intelectual... Quem teve de beber cicuta? O homem que foi condenado por ter corrompido a juventude de Atenas porque fazia perguntas demais. Depende de nós a nossa própria concentração nos verdadeiros desafios, e não nos tweets de Trump. Essa prática está ligada à natureza do debate intelectual e nós podemos mudá-la: é preciso desenvolver uma política da atenção.
Falemos do seu percurso. O senhor nasceu na Filadélfia, em 1928, de pais imigrantes fugidos da Rússia.
Meu pai era originário de um pequeno vilarejo da Ucrânia. Ele fugiu da Rússia em 1913 para escapar do recrutamento das crianças judias pelo exército – isso equivalia a uma sentença de morte. Minha mãe era originária da atual Bielorrússia. Ela chegou aos Estados Unidos ainda criança. Sua família tentava escapar dos pogroms.
Quando criança, o senhor fez parte de uma escola progressista ao mesmo tempo que se crescia em meio a imigrantes judeus. Qual era o clima da época?
A língua materna de meus pais era o iídiche, mas curiosamente eu nunca ouvi uma palavra em iídiche em casa. Havia, naquela época, um conflito cultural entre os partidários do iídiche e os do hebraico, mais moderno. Meus pais se punham do lado do hebraico. Meu pai, aliás, ensinava hebraico em um colégio, e eu estudei com ele desde meus primeiros anos escolares, lendo a Bíblia e a literatura hebraica moderna. Ele se interessava também pelas ideias mais recentes sobre a educação. Foi por isso que fiz parte de uma escola experimental inspirada nas ideias de John Dewey. Não havia prova classificatória nem competição entre os estudantes. Quando passei para o sistema tradicional, aos 12 anos, compreendi que eu era um bom aluno. No bairro, nós éramos a única família judia, cercados de católicos irlandeses e de alemães pró-nazismo. Não tocávamos no assunto em casa. Mas o mais curioso é que as crianças que voltavam da escola jesuíta com a boca cheia de discursos antissemitas os abandonavam quando nos encontrávamos para jogar baseball nos fins de semana.
Foi pelo fato de o senhor ter crescido em meio a várias línguas que a linguagem se tornou a grande preocupação de sua vida?
A linguagem se tornou a grande preocupação da minha vida por uma razão que ficou clara para mim muito cedo: há uma propriedade fundamental da linguagem que aparece logo quando nos debruçamos sobre o fenômeno da palavra. Todo locutor internaliza um conjunto finito de regras que lhe permitem produzir uma infinidade de expressões significantes. É o coração da linguagem; é o que faz dela uma propriedade única e específica dos seres humanos. Tocamos aí a fonte de toda criatividade. Alguns filósofos clássicos – Descartes ou os membros de Port-Royal – perceberam isso. Mas foram poucos. Em meados século XX, novas ferramentas vieram com a revolução informática e permitiram reformular a questão. Eu procurei adaptá-los ao problema central da linguagem e do espírito.
Quando o senhor começou seu trabalho, o estruturalismo e o behaviorismo dominavam. Para eles, a linguagem é um sistema arbitrário de signos cuja função principal é comunicar. O senhor se opõe a essa concepção e sustenta que a linguagem tem uma estrutura universal, bem como que a linguagem ter por função expressar pensamentos.
O que é que nos faz reconhecer uma série de palavras como uma frase “correta” de nossa língua? Quando me debrucei sobre esse tipo de questão, estava bastante estabelecida a ideia de que uma frase é gramatical se e somente se ela significa alguma coisa. Mas isso é totalmente falso! Veja duas frases desprovidas de sentido: “As ideias verdes incolores dormem furiosamente” e “Furiosamente ideias as dormem incolores verdes ”. A primeira é correta, a despeito do fato de que sua significação é obscura, porém a segunda é não somente privada de sentido, mas também irreceptível. Um locutor pronunciará a primeira com uma entonação normal e procurará oferecer uma interpretação para ela, ao passo que ele tropeçará em cada palavra da segunda. Além disso, ele memorizará a primeira com mais facilidade. O que torna a primeira frase receptível se não é o sentido? O fato de que ela se conforma ao conjunto dos princípios e das regras de construção de frases dos quais dispõe todo locutor que fala aquela língua.
Como se passa da gramaticalidade própria da língua à ideia especulativa de que a linguagem seria uma estrutura universal da qual todo intelecto seria naturalmente dotado?
Partamos do funcionamento assaz bizarro do pronome em línguas latinas: quando digo “João acha que ele é inteligente”, o “ele” pode remeter tanto a João como a qualquer outro. No entanto, se eu digo “João o acha inteligente”, o “o” significa alguém diferente de João. Uma criança que fala uma língua latina compreende isso. As experiências mostram que desde os 3 anos as crianças compreendem que as regras da linguagem são estruturalmente interdependentes sem que precisemos ensinar-lhes tais regras. Todos os que falam uma língua latina sabem a diferença entre os dois casos pronominais que mencionei e o sabem independentemente de uma aprendizagem e de uma experiência. Isso quer dizer que alguma coisa é inerente a nós e nos torna capazes de compreender e integrar essas regras por nós mesmos.
É o que o senhor chama de gramática universal.
É o conjunto dos princípios imutáveis de nosso intelecto e que nos permitem falar e aprender línguas. Essa gramática se particulariza em uma série de línguas que são as respectivas opções particulares no seio dessa gramática universal. Assim, o inglês e o francês são línguas centrífugas, nas quais o elemento central vem em primeiro lugar, ao passo que o japonês é centrípeta. Em japonês, não se diz “João chutou Bill”, mas “João Bill chutou”. Antes mesmo dessas variações somos levados a pressupor uma forma interior da linguagem, usando uma expressão de Wilhelm von Humboldt (filósofo e linguista prussiano, 1767-1835), uma potencialidade geradora independente das variações individuais e culturais.
Se a linguagem é um sistema combinatório, isso significa que os computadores poderão falar um dia?
Os computadores não fazem nada, literalmente. O que realiza as coisas é o programa, ou seja, uma teoria implementada no computador. A teoria deve ser avaliada como todas as teorias. Mas, por si só, ela não faz nada.
Os programas de inteligência artificial não pretendem gerar um diálogo entre o ser humano e a máquina?
Reina uma espécie de confusão nesse tema. Tomemos o caso da comunicação das abelhas, realizada por meio da dança que lhes é típica. Você poderia realizar milhões de vídeos de abelhas que dançam, fazer uma análise quantitativa e tentar predizer o comportamento delas com base nesses vídeos e nessa análise. Isso não lhe dará acesso à língua das abelhas! O desafio das ciências não é o de estabelecer uma aproximação dos fenômenos com base em análise estatística. É como se disséssemos que não precisamos mais fazer Física porque, para poder prever o comportamento dos corpos, basta fazer milhões de vídeos de corpos que caem e analisá-los estatisticamente. E levamos a sério a abordagem estatística da linguagem humana quando nós mesmos recusamos fazer isso para a linguagem das abelhas e para a queda dos corpos! O Google Translate é uma ferramenta certamente útil, mas no quesito da produção linguística ele não faz mais do que a aproximação estatística da dança das abelhas. Cientificamente, é uma perda de tempo.
No seu dizer, a linguagem não designa coisas, mas significações. Isso vai um pouco contra a experiência, não?
Uma das primeiras questões que a Filosofia põe é aquela de Heráclito: pode-se entrar duas vezes no mesmo rio? O que faz que o rio seja o mesmo? Sob o ângulo da linguagem, essa questão conduz a questionar como duas coisas diferentes podem ser designadas pelo mesmo termo. Você pode mudar a composição química dele ou inverter o seu sentido, mas o rio continuará a ser um “rio”. No entanto, se você colocar barreiras nele e se você utilizá-lo como meio de transporte para navios petroleiros, ele se tornará um “canal”. Se, depois, você modificar sua superfície e se servir do resultado para ir ao centro da cidade, ele se torna uma “rodovia”. Em suma, grandes mudanças na realidade não impedem que um rio continue a ser um rio; e pequenas mudanças têm o poder de fazê-lo mudar: um rio é um conceito antes de ser uma coisa. Aristóteles já tinha enfatizado isso. Curiosamente, a única linguagem que se refere diretamente às coisas é a linguagem dos animais. Eles têm acesso aos símbolos, mas os utilizam como sinais. Determinado grito de um macaco, acompanhado de determinados movimentos, será considerado de maneira unívoca pelos seus camaradas como um sinal de alerta, por exemplo. Nesse caso, o signo remete diretamente às coisas. Não há necessidade de conhecer o que se passa na cabeça do macaco para saber como isso funciona. A linguagem humana não tem essa propriedade; fundamentalmente, ela não é referencial.
O senhor recusa a ideia de que as línguas captam o mundo em função da riqueza de seus léxicos. Como o senhor dissolve, então, as diferenças entre as línguas?
Se olhamos de perto, as diferenças entre as línguas são frequentemente superficiais. As línguas que não dispõem de uma palavra específica para a cor “vermelha” terão uma palavra para indicar “como o sangue”. A palavra rio recobre um campo muito mais largo em japonês e em suaíli do que em inglês, pois em inglês se distingue entre um rio (river), um riacho (brook) e um córrego (stream). Mas o núcleo de significação rio é presente em todas as línguas e de modo uniforme; e isso é assim por uma razão simples: as crianças não têm necessidade de ter feito a experiência de todas as formas de rio ou de ter aprendido todas as nuances do termo rio para ter acesso a esse núcleo de significação. Ele faz parte naturalmente do intelecto delas e é uniformemente presente em todas as culturas.
O senhor tem consciência de que é um dos últimos filósofos a sustentar a ideia de uma natureza humana?
Mas não há nenhuma dúvida: existe uma natureza humana. Nós não somos nem macacos nem gatos nem cadeiras. Portanto, há uma natureza que nos distingue. Se não há natureza humana, isso significa que não há diferença entre nós e as cadeiras. É ridículo. E um dos componentes fundamentais da natureza humana é a capacidade linguística. Trata-se de uma propriedade que o ser humano adquiriu ao longo da evolução, mas ela é própria de nossa espécie e a ela todos os humanos têm acesso igualmente: não conhecemos nenhum grupo humano com capacidades linguísticas inferiores às de outros grupos. Quanto às variações individuais, elas são sempre marginais. Se você pegar uma criança pequena de uma tribo amazônica que durante vinte mil anos não teve nenhum contato com outros grupos humanos e a transportar para Paris, ela aprenderá francês rapidamente.
Mais surpreendente ainda é que o senhor encontra na posse de estruturas e regras linguísticas inatas a base para um argumento em favor da liberdade.
É uma articulação necessária. Não há criatividade sem sistema de regras.
Gostaria de falar de uma polêmica de 1979, quando o senhor assinou uma petição em favor do direito de expressão do negacionista Robert Faurisson, que punha em dúvida a existência das câmaras de gás. O senhor chegou a escrever um texto de explicação que, mesmo sem a sua autorização, foi usado como prefácio em um livro de Faurisson.
Esse caso foi muito estranho e vem à tona sempre que volto aqui, embora nenhum jornal aceite publicar minhas respostas argumentadas. No limite, o que está em jogo são duas concepções de liberdade de expressão. Uma é stalinista: se eu não aprecio o que você diz, você não tem o direito de falar e será preso. A outra é aquela de Voltaire e do Iluminismo francês: defender a liberdade de expressão significa defender a liberdade de expressão para as opiniões que detestamos.
Na época, não reprovaram tanto o fato de o senhor defender o direito de expressão de Faurisson, mas de dar uma caução moral e científica às suas posições negacionistas, falando de seu trabalho como se fosse uma “pesquisa aprofundada e séria sobre o Holocausto”.
Faurisson foi enxotado da universidade, perseguido e julgado por um tribunal por causa de suas publicações. Foi isso que me chocou.
Hannah Arendt sustentava que, se os fatos históricos – como o Holocausto – adquirirem o mesmo estatuto que as opiniões, então não haverá mais História nem mundo comum...
Não é necessário evocar Hannah Arendt. Ninguém duvida de que fatos são distintos de opiniões. Mas isso não autoriza a censurar e a jogar na prisão aqueles que estremecem essa distinção.
Então o senhor não se arrepende de nada?
Eu não teria feito nada se Faurisson não tivesse sido perturbado em sua profissão e julgado. Neste exato momento [março de 2017], na Turquia, intelectuais, universitários e acadêmicos são levados diante de um tribunal... O princípio de liberdade de expressão não pode ter exceção.
Existe filosofia africana? (A voz de um filósofo africano)
Pierre Bamony
Doutor em Filosofia e em Antropologia
Tradução de Juvenal Savian Filho
Fonte: Site cultural Hommes et faits (Homens e fatos)
Tags: filosofia africana – etnofilosofia – filosofia bantu – literatura africana – filodoxia – filortodoxia
Falar de filosofia africana envolve enormes dificuldades que provocam não somente o mundo intelectual africano, mas também certos meios intelectuais eurocêntricos. As questões giram essencialmente em torno desta pergunta: Existe ou não uma filosofia especificamente africana? Seria necessário interrogar primeiro o que é a filosofia em suas acepções africanas, ou, mais precisamente, seria preciso saber se a concepção ou mesmo a ideia de filosofia no Ocidente pode aplicar-se em outro mundo cultural como o mundo africano. Isso implica uma análise prévia da definição desse conceito em seu meio originário.
A filosofia, tal como ela nos é ensinada, aparece como um discurso que compreende e desenvolve conhecimentos. O discurso pertencente ao âmbito do desenvolvimento de uma intuição original ou de uma hipótese termina, ao menos temporariamente, por um encadeamento de noções ou de conceitos que constituem o que se costuma chamar de pensamento discursivo ou pensamento racional. Esse encadeamento apresenta-se sob a forma de juízos. Mas, durante a sua própria história, a ideia do conceito filosófico sofreu transformações em sua definição desde sua gênese, que se costuma situar na Grécia Antiga dos séculos VII-VI a.C.
1. Breve história do campo semântico do termo filosofia
Em sua forma elementar e primordial, a filosofia tinha por objeto a sabedoria (ela era o desejo ou o amor da sabedoria; a prática do philêin como atividade intelectual específica que gerava uma forma de saber cientificamente organizado) e designava fundamentalmente três realidades para os pré-socráticos: a habilidade especializada em tal ou tal domínio do saber, a erudição e a sabedoria emanada da experiência (sabedoria essa chamada por si mesma a ser sempre ultrapassada). A filosofia referia-se, então, à reflexão como interrogação sobre a vida, o destino dos seres humanos e o mundo. Nesse sentido, filosofava-se ou pensava-se para si mesmo. É também verdade que, segundo Pitágoras, somente os deuses eram filósofos (sábios), pois, em razão de suas fraquezas específicas, o ser humano não pode pretender ser verdadeiramente sábio. O ser humano, nesse sentido, só pode ser visto como alguém que zela pela verdade.
Sob a influência de Sócrates, o termo filosofia passou a designar também a eloquência, a prática moral e tudo aquilo que hoje se costuma chamar de cultura. Com Aristóteles, por sua vez, a definição de filosofia será estendida a outros domínios, até tornar-se heterogênea, e sua validade atravessará a Idade Média, chegando até Descartes e mesmo Kant. Com efeito, Aristóteles engloba em um grande domínio filosófico áreas muito diferentes, como as ciências “experimentais” (a astronomia, por exemplo), as matemáticas e a metafísica. Nessa linha, a filosofia aparece aos olhos de Descartes (século XVII) como uma grande árvore: as raízes retratam a metafísica; o tronco, a física; os galhos, as outras ciências. Essa definição, mesmo pretendendo ser completa, era também temporária. De fato, com Kant (século XVIII), ocorre uma mudança: a filosofia divide-se em metafísica, psicologia, lógica e moral. Sem entrar nos detalhes do caminho que seguirá essa nova definição, digamos que cada um desses domínios termina por obter autonomia em relação à filosofia a partir do século XIX. É o que ocorrerá com a física, por exemplo. Em nossos dias, se falamos de filosofia moral, não se trata mais de filosofia psicológica. Todos esses domínios do conhecimento, nascidos da filosofia, são estudos em filosofia não como se fossem partes dela, mas em função unicamente de si mesmos.
Assim, a filosofia, em sua acepção ocidental, poder-se-ia resumir desta forma: de uma parte, ela designa um conjunto de especulações sobre dados objetivos tais como as interrogações ou os discursos da cosmologia, da cosmogonia, das ciências da vida e dos seres humanos, ou ainda as perspectivas sobre a natureza mesma da experiência científica; de outra parte, ela designa e implica ao mesmo tempo princípios metódicos e elementos de base de um saber científico como outro qualquer. Em razão dessa complexidade, pode-se, nesse sentido, falar de uma filosofia africana?
2. A posição de Paulin Hountondji
Se nos concentramos na definição da filosofia como saber organizado cientificamente, não surpreende que os ocidentais, até recentemente, recusaram a todas as práticas intelectuais das elites africanas a aplicação do termo filosofia. Com efeito, as civilizações africanas, produtoras de culturas orais, ou, mais exatamente, fundadas em culturas orais, não têm esse exercício intelectual que conduz ao mesmo tipo de rigor de análise e de pontos de vista sobre os fenômenos físicos, morais ou psíquicos. A recusa ocidental é objetivamente defensável e válida – convém enfatizá-lo –, mas ela tinha, até certo tempo, um pano de fundo de preconceito: ela pressupunha a incapacidade manifesta dos negros para raciocinar de maneira lógica, quer dizer, científica. Donde a ideia de uma superioridade intelectual dos ocidentais em relação às populações negras do continente africano. Segundo essa posição, na medida em que a filosofia conduziu a civilização euroamericana a um extraordinário progresso das ideias tal como conhecemos hoje, a uma acumulação cultural gigantesca, a um grande desenvolvimento técnico e industrial, e na medida em que essa realidade é especificamente ocidental, não seria viável dizer que as civilizações africanas negras têm a prática da filosofia. Nem sequer seria concebível considerar que os africanos possam ser filósofos ou homens de ciência na acepção rigorosa do termo.
É sem dúvida para responder a esses juízos negativos sobre os negros que alguns ocidentais consagraram-se à empreitada de escrever obras de caráter filosófico (ao menos pretensamente filosóficas) no contexto das culturas africanas. O exemplo mais patente é o livro do missionário franciscano Placide Tempels, A filosofia bantu (La philosophie bantoue), publicado em Paris, em 1949. Esse livro, que causou muita polêmica na época e que continua ainda hoje a suscitar numerosas controvérsias, inscreve-se no quadro do que se costumou chamar de etnofilosofia. Qual ideologia esse tipo de filosofia veicula intrinsecamente?
De acordo com o eminente filósofo beninense Paulin Hountondji, autor do livro Sobre a “filosofia africana” (Sur la “philosophie africaine”, Ed. Maspéro, 1980), a etnofilosofia tem por objetivo instaurar a possibilidade de um diálogo entre doutos europeus. O próprio Hountondji apegou-se tenazmente ao projeto de refutar o fundamento da etnofilosofia. Segundo sua análise, mesmo que a etnofilosofia seja fundada sobre a análise de tradições de populações tipicamente africanas (no caso, os bantus), ela se dirige em primeiro lugar e principalmente aos coloniais e aos missionários encarregados da educação e da civilização dos povos não ocidentais. No limite, não se dedica realmente interesse aos bantus que produzem a dita filosofia bantu. Tudo fica acima deles e fora deles. Constrói-se um discurso intelectual pelo viés deles e a respeito deles, mas eles não são tomados como interlocutores, sobretudo porque eles seriam criadores de filosofia “apesar” deles mesmos. Eles a vivem, produzindo-a culturalmente, mas também se revelam incapazes de compreendê-la ao criá-la.
O que Paulin Hountondji recusa nesse tipo de filosofia bantu é, por um lado, o caráter malsão dos pressupostos nos quais ela se funda e se justifica. Ela tem por objetivo mostrar aos próprios ocidentais que os negros sabem e podem pensar quase à maneira ocidental e que eles detêm uma filosofia inconsciente. Nesse sentido, esse tipo de filosofia bantu visa tirar os negros de seus preconceitos negativos e elevá-los, reabilitando-os em uma imagem digna de atenção e de curiosidade intelectual da parte dos não negros. Por outro lado, esse tipo de filosofia bantu tem algo de totalizante, ao modo das ideias ocidentais, por negar pontos de vista originários de culturas africanas não bantus. A partir da filosofia bantu, estabelece-se ou funda-se uma, por assim dizer, realidade do pensamento que seria válida para toda a África negra. Isso equivale a dizer que os negros, em seu conjunto, pensam de modo idêntico, e, por isso, não são capazes de testemunhar contradições portadoras de dinamismo e de movimento de ideias. Nessa concepção, pode-se dizer que, mesmo se existe uma filosofia africana, ela não é ainda madura para os grandes debates de ideias que concernem a contradições tais como as fundadas pela filosofia hegeliana. Não haveria progresso senão nessa lógica que põe princípios para poder examiná-los pela negação e para depois transcendê-los rumo a uma posição sempre temporária. O que então se poderia chamar de filosofia africana se se refuta a etnofilosofia? Segundo Hountondji, a filosofia africana resume-se em um conjunto de textos, ao “conjunto precisamente dos textos escritos por africanos e qualificados por seus autores mesmos como textos filosóficos”. Esse conjunto de textos refere-se à vasta literatura africana de obras de autores africanos.
Todavia, sem negar o conteúdo específico das obras literárias das quais se pode extrair uma filosofia, a redução da filosofia dita africana ao único domínio essencial da literatura aparece como uma negação da própria literatura. Essa posição comporta sérios problemas, que são ainda mais graves porque retomam e reforçam preconceitos ocidentais sobre os africanos, principalmente a afirmação da incapacidade de discorrer segundo as normas e as regras da disciplina filosófica cuja origem e constituição permanecem intrinsecamente ocidentais. A literatura é um domínio particular da expressão africana, e a filosofia africana, se ela existe, deve ter seu domínio próprio.
Afinal, nem todos os temas poderiam ser inscritos no quadro da literatura. Parece, portanto, que não é do lado da literatura que se deve fundar a filosofia africana, nem mesmo procurá-la. (A propósito, ao longo da década de 1970 professores ocidentais, em particular franceses, espantavam-se ao ver estudantes africanos quererem fazer teses de filosofia. Isso lhes parecia uma ironia, pois era bastante arraigado o preconceito de nos atribuir qualidades e aptidões intelectuais unicamente de ordem literária.) Sem querer justificar nem valorizar o negro diante desses preconceitos – o que não precisa ser feito –, a atitude de ver a essência da filosofia africana na literatura não significa dar crédito a esses mesmos preconceitos?
É certo que a preocupação de Hountondji é fazer prevalecer a ideia de que o africano negro ou o criador negro é tão capaz quanto outros de expressão individual, expressão esta que não obedece necessariamente ao inconsciente coletivo e à mentalidade comum sob os quais se gostaria de situá-la. É nesse sentido que, para além da etnofilosofia, ele procura na literatura a expressão de uma filosofia individual.
Mas poderíamos perguntar se essa ideia está ainda por ser fundada ou se ela já está estabelecida. No primeiro caso, as perspectivas permanecem abertas e a filosofia individual, original, nascerá dos ensaios e das controvérsias de tipo filosófico sobre os problemas que são postos aos africanos no aqui e agora permanente. O mesmo vale para a análise filosófica de dados não apenas literários, mas também provindos das criações científicas (ciências humanas e ciências exatas) dos africanos, sejam eles negros ou brancos. Quanto ao segundo caso, a via parece estar bloqueada para procedimentos desse tipo. Com efeito, ou bem continuamos a caminhar e a progredir no domínio literário (o que, em si mesmo, não é uma preocupação filosófica para os autores, ao menos a priori) ou bem caímos novamente no círculo da etnofilosofia. Disso parece que não podemos tirar senão uma filosofia que não é originária, pois ela é fundada inicialmente por escritores não africanos, mesmo se ela reflete um desenvolvimento original, quer dizer, individual.
3. Os paradoxos de uma filosofia africana
A reflexão sobre a filosofia dita africana contém sérias dificuldades. Com efeito, trata-se de uma interrogação sobre algo a ser criado. Não basta afirmar peremptoriamente que a filosofia africana existe, pois aquela que se diz existir é em si mesma bastante problemática.
Não parece fácil, a priori, refutar a etnofilosofia em seu conjunto. Mesmo que ela seja o resultado da criação de autores ocidentais, ela se inscreve hoje no conjunto dos saberes constituídos sobre o mundo africano. Por exemplo, a obra de Marcel Griaule Deus da água (Dieu d’eau), que entra igualmente no campo da etnofilosofia, permanece, apesar de tudo, uma expressão cultural dos dogon do Mali. Esse livro contém fatos culturais que não podem ser negados e que se inscrevem na realidade cotidiana dos dogon. Além disso, bom número de autores africanos com formação filosófica tomam das obras saídas da etnofilosofia os temas de reflexão das suas próprias criações. Isso tudo faz dos autores europeus da etnofilosofia uma herança cultural africana doravante indispensável.
É certo que a etnofilosofia é criticável em sua forma, seja por seus objetivos seja por suas análises frequentemente generalizantes. Mas ela está longe de ser refutável, porque se trata de uma expressão não de um povo, mas de povos africanos. Em seu conjunto, ela se funda, a despeito de suas análises, em realidades originárias de populações africanas determinadas que encontram uma essência comum no ser fundamental dos povos africanos. A crítica dessa filosofia reside principalmente, portanto, em suas análises aberrantes, não em sua profundidade mesma. Ora, o dever dos intelectuais africanos contemporâneos não é sobretudo procurar ultrapassar a etnofilosofia?
De fato, a investigação que visa à instauração de uma filosofia individual liga-se, de algum modo e em um primeiro momento, à etnofilosofia. No entanto, não se trata de ater-se à etnofilosofia tal como ela foi concebida até o presente, quer dizer, aquela generalizante, mas de buscar uma filosofia de expressão particular, original e originária de um indivíduo como membro de um povo, pois ethnos quer dizer justamente “povo”. Na medida em que cada indivíduo pertence não a um povo segundo a acepção europeia, mas a uma comunidade humana mais restrita, como o clã ou a tribo, os escritos dos autores africanos podem refletir o espírito de seu “povo” (a noção de povo, em razão dos recortes coloniais arbitrários feitos no século XIX, é, para os países do continente africano, um ideal ao qual se procura tender).
Assim, o ultrapassamento da etnofilosofia em seu sentido corrente pode fazer-se pela prática de filosofias especificamente tribais ou clãnicas. Não poderia ser de outro modo, a menos que queiramos permanecer fechados em generalizações não fundamentadas, em erros já cometidos pelos pioneiros europeus ou em pseudofilosofias. Se nossos países tendem à realização da noção de povo, ele será composto do conjunto das tribos e dos clãs de cada país. É por isso que os ensaios e as análises de expressão filosófica poderão conduzir a uma filosofia de conjunto que será não uma etnofilosofia, mas o conjunto das filosofias africanas “na” filosofia africana.
4. As técnicas e a prática de uma filosofia africana
Resta saber se se deve continuar a chamar de filosofia as produções nascidas da etnofilosofia. Nesse caso, convém redefini-la como forma particular e não fundamental desse movimento rumo à realização “da” filosofia africana. Aliás, por seu caráter crítico, os ensaios de interrogação sobre a etnofilosofia farão já parte incontestavelmente da filosofia africana nascente. Segundo a perspectiva da criação dessa filosofia, convém definirmos antes de tudo os procedimentos a adotar, sobretudo se desejamos que ela se inscreva na acepção ocidental (e não pode ser diferente, pois somos formados de acordo com a realidade dessa filosofia e levados a discorrer na língua em que ela floresceu, língua essa que se tornou a nossa, por força das circunstâncias).
De saída, é necessário um método, quer dizer, um caminho, um meio para fundar previamente o nosso fazer. Obviamente, não se trata de dar os mesmos passos que os ocidentais, numa fidelidade tal como aquela em que eles, na origem, deveram fundar suas ciências. Cada cultura, cada civilização possui uma “lógica” própria: assim, nossas culturas africanas não têm por objeto fundamental e essencial a ciência em sua acepção rigorosa, quer dizer, na atual acepção, mas as relações inter-humanas, a atenção à ordem e à paz, a concordância da comunidade. Nosso método há de consistir, portanto, não em uma lógica matemática (que não é excluída, também não é prioritária), mas em uma análise dos fenômenos e dos problemas inerentes às exigências éticas e sociopolíticas de nossas culturas, entendendo-se pelo termo análise o procedimento intelectual que visa decompor um texto ou uma ideia em seus elementos essenciais e em suas ligações logicamente subjacentes, de modo a compreender as relações de conjunto. Mas o sucesso metodológico não se livra a uma dificuldade proveniente da nossa “falta de língua”?
A questão fundamental refere-se à ausência de expressão escrita, típica de muitas culturas africanas. Mas, dado que as línguas aparecem como meios cômodos para o estabelecimento de comunicação, o problema da língua deixa de existir no momento em que nos servimos de uma das línguas (francês, inglês...) que veiculam nossas informações e conhecimentos entre nós e nossos países. É impossível ir contra a predominância dessas línguas: é um movimento nos move no conjunto geral da história moderna e contemporânea, como um navio levado pelas águas. Às vezes é sábio aceitar o estado das coisas para melhor transformá-las por meio de uma dinâmica pessoal e uma vontade interior.
Assim, aceitar que somos, de algum modo, ingleses ou franceses pelas línguas que falamos é um meio de enriquecer nossas línguas maternas com palavras novas, raciocínios diferentes, novas lógicas etc. Ser inglês ou francês não nos exclui de modo algum do uso de nossas línguas maternas. O drama seria esquecer nossas línguas nas gavetas de armários linguísticos.
Por estarmos de certa maneira aprisionados pela educação ocidental – que é inútil negar – e por sermos formados na lógica e na conceptualização filosóficas ocidentais, não podemos senão discorrer nessa lógica e nessa conceptualização mesmas. Mas, é a partir da linguagem modelada pela filosofia ocidental que nós construiremos nossa filosofia específica, que criaremos nossa língua original, enriquecida por sua vez com o vocabulário de nossas línguas maternas.
Nessas condições, a elaboração de nossas filosofias não pode encontrar fundamento senão em nossas próprias culturas. As fontes da filosofia grega foram, na origem, a literatura oral e principalmente os mitos populares que essa literatura veiculava. A física nasceu das cosmologias e cosmogonias primordiais. Isso significa que também para nós o caminho está livre para nos enriquecermos dos mitos, sobretudo dos contos e da literatura oral de nossas comunidades, a fim poder, em seguida, empreender elaborações profundas que os mitos nos autorizam a título de visões de mundo. Uma filosofia nascida dos mitos é uma filosofia inesgotável em si mesma, sobretudo porque nem tudo já foi explorado, apesar dos progressos da ciência. Os mitos, aliás, permitem uma rica e diversa interpretação deles próprios e das realidades que os fundam. A partir do fundo inesgotável dos mitos, ainda é possível criar mundos, renovar as coisas, gerar filosofias e conhecimentos imaculados. Podemos mesmo extrair uma grande filosofia estética da profunda sensibilidade de nossa arte, sobretudo da escultura. Todas essas belas e harmoniosas estatuetas ifé, baoule ou outras são uma fonte abissal de inspiração filosófica.
Pode-se constituir uma filosofia também a partir da análise das opiniões contidas na literatura oral. Platão dissera que sua dialética era científica; seu discípulo Aristóteles reprovou tal dialética por ela ser unicamente destinada a verificar a validade de opiniões pelo questionamento sistemático, crítica retomada no século XVII por Descartes a respeito da filosofia do próprio Aristóteles, considerada incapaz de aceder à verdade em razão da esterilidade da lógica silogística.
Nessa ótica, se buscamos criar uma filosofia fundada sobre a análise de opiniões, poderemos falar de filodoxia (dóxa significa “opinião” em grego). Ela conduzirá a uma filortodoxia ou análise das opiniões que conduzam à correção delas, ao seu rigor e à sua verdade, de onde nasceria, em um movimento contínuo do espírito, a filosofia em sua acepção rigorosa. Trata-se de um procedimento a fazer, longe de ser menos promissor do que já existe. O importante, nessas duas perspectivas, é chegar à criação e à fundamentação “da” filosofia africana. Os países africanos precisam mais de filósofos do que de engenheiros. Os engenheiros vêm engrossar as fileiras daqueles que, inúteis, assentam-se nos gabinetes burocráticos. Com efeito, aqueles que são ou deveriam ser inventores, trabalhadores incansáveis sobre os canteiros de obras, mesmo oferecendo à África um pouco mais de eficácia em sua emergência entre as economias contemporâneas (pela melhoria da agricultura aos seus habitantes, permitindo-lhes melhor alimentação, por exemplo), não deixam de destruí-la, de desorganizá-la, de afundá-la no mal profundo da adaptação a essas mesmas economias.
Os filósofos, ao contrário, são necessários para sistematizar as morais africanas, curar as feridas, pensar o destino da África e pôr em evidência suas inteligências. Os filósofos serão os doutores espirituais que curarão essa África doente dos males profundos do Ocidente. A grandeza da África emergirá não por obra dos engenheiros e dos técnicos, mas essencialmente por obra dos criadores, dos filósofos, dos cientistas e dos literatos.
Assim, postular a priori a existência de uma filosofia africana parece algo absurdo. Nada a prova; nada a funda concretamente. Não existe filosofia africana à maneira ocidental. Por outro lado, existem filosofias que devem ser buscadas na essência das culturas africanas, na profundeza dos mitos, para fundar “a” filosofia africana como expressão, em seu ápice, do conjunto dos conhecimentos próprios às culturas africanas e às criações originais dos africanos.
Para tanto, duas perspectivas apresentam-se aos filósofos africanos hoje (entendendo-se por “filósofos africanos” os autores de ensaios críticos e de obras de expressão filosófica): em primeiro lugar, formados ao modo da escola ocidental nos princípios, na lógica e na racionalidade da filosofia especificamente ocidental, eles podem seguir, por tratados e ensaios (como seus colegas do Ocidente) a progressão, a evolução e o movimento geral das ideias e do pensamento ocidental. Afinal, eles têm as mesmas aptidões para manejar conceitos; eles adquiriram o poder de mover-se com facilidade na racionalidade filosófica ocidental. O exemplo de Antoine Guillaume Amo, filósofo ganense do século XVIII, educado na cultura alemã e autor de obras filosóficas do mesmo calibre de autores alemãs da época, prova bem que qualquer ser humano, independentemente de sua origem, sendo formado nas mesmas condições, pode desenvolver as mesmas aptidões, as mesmas capacidades de criação ou de invenção.
Em segundo lugar, e de maneira mais interessante, os filósofos africanos podem mergulhar nas profundezas de suas próprias culturas, tirando delas os fundamentos de uma filosofia verdadeira, real e nova. Podem, enfim, encaminhar a filortodoxia ou essa filosofia dita africana à qual Hountondji chama de “metafilosofia” rumo a seu acabamento sempre temporário.
Pierre Bamony,
fevereiro de 2005.
Sobre Filosofia no Ensino Médio
Subsídios
- Orientações Curriculares para o Ensino Médio, MEC, 2006 (FILOSOFIA: páginas 15-40)
- Volume FILOSOFIA da coleção “Explorando o Ensino”, MEC, 2010
- Um convite à falsificação, Bento Prado Júnior, 1999
- Proposta Curricular de 1992 do Estado de São Paulo
- Por que filosofia no segundo grau, Franklin Leopoldo e Silva, 1992
- Sobre o ensino de filosofia, Celso Favaretto, 1993
- A filosofia e seu ensino, livro com contribuições de Franklin Leopoldo e Silva, Paulo Eduardo Arantes, Salma Tannus Muchail, Celso Favaretto, Ricardo Fabbrini, 1995
- Filosofia, política e educação (entrevista), Marilena Chaui, 2016
- Por que filósofo? (Contribuições de João Carlos Brun Torres, José Arthur Giannotti, Gérard Lebrun, Rubens Rodrigues Torres Filho, José Henrique Santos, Bento Prado Júnior) – Cadernos CEBRAP, 1975
- História stultitiae e história sapientiae, Carlos Alberto Ribeiro de Moura, 1988
- Tempo histórico e tempo lógico na interpretação dos sistemas filosóficos, Victor Goldschmidt, 1963
- Avaliação no ensino de Filosofia, Isabel Medina Silva, 1996
- Blog da Profa. Dra. Gisele Secco, da UFRGS, voltado para o Ensino de Filosofia. Contém textos, debates e notícias importantes para a docência no Ensino Médio
- Didática da Filosofia
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