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Temos de elevar nosso nível moral ao do desenvolvimento tecnológico, diz escritor Amin Maalouf (Folha de S. Paulo)

16/05/2019 — Betty Millan

Com novo ensaio publicado, franco-libanês fala da necessidade de repensar o capitalismo

PARIS – O escritor franco-libanês Amin Maalouf começou a carreira como jornalista no Líbano, país que ele teve que deixar em 1976 por causa da guerra civil.

Radicou-se na França, onde se tornou redator-chefe da revista Jeune Afrique. Em 1983, foi ousado ao escrever um primeiro ensaio que teve grande impacto e foi traduzido em várias línguas, “As Cruzadas Vistas pelos Árabes”. O livro surpreendeu por focalizar a barbárie dos cristãos ocidentais, considerados pelos muçulmanos como um povo inculto e cruel.

Dez anos depois, em 1993, Amin ganhou o prêmio Goncourt, o mais tradicional da França, pelo romance “O Rochedo de Tânios”, espécie de conto oriental que se passa no século 19, no Oriente Médio, região da qual ele é profundo conhecedor pelas suas origens e a sua formação. Observador e intérprete do nosso tempo, o escritor entrou para a Academia Francesa de Letras em 2011.

Sua obra é vasta e feita tanto de ensaios quanto de romances. Nela, o autor interroga as relações políticas entre o Oriente e Ocidente, bem como os temas do exílio e da identidade. Neste ano, publicou na França “Le Naufrage des Civilisations” (O naufrágio das civilizações), pela Grasset.

Amin conversou com a Folha em sua casa, em Paris, sobre as causas da barbárie a que estamos sujeitos, a necessidade de repensar o capitalismo e de encontrar um equivalente moral à altura do nosso desenvolvimento tecnológico, temas de sua obra mais recente.

Por que você deu ao seu novo livro o título “Naufrágio das Civilizações”?
Já se falou de aliança e de choque das civilizações. A situação agora é outra, estamos todos no mesmo barco e podemos naufragar.

O livro, aliás, termina com uma referência ao Titanic: “Seria triste se o barco dos homens continuasse a vagar em direção ao seu fim, inconsciente do perigo, persuadido que ele é indestrutível, como no passado o Titanic —antes de bater na fatídica montanha de gelo, enquanto a orquestra tocava ‘Mais Perto Quero Estar’ e o champanhe jorrava”.
O Titanic é uma imagem forte do naufrágio. Nele, havia gente de todas as classes sociais e o navio era considerado insubmersível. Precisamos ter consciência do risco que estamos correndo.

Qual é o papel dos intelectuais nesse contexto?
Cabe mostrar que a situação é grave. Precisamos refletir sobre ela, imaginar soluções. Obviamente não é o desespero que eu quero difundir. O mundo hoje tem um desenvolvimento científico e tecnológico extraordinário. Nós podemos resolver todos os problemas do planeta. Basta elevar o nosso nível moral ao do desenvolvimento tecnológico.

O naufrágio das civilizações se deve ao fracasso da utopia comunista e ao triunfo do capitalismo ou ao vazio que nasceu do antigo antagonismo?
No momento em que a Guerra Fria terminou, nós constatamos o fracasso… Os Estados Unidos poderiam ter agido para equilibrar a ordem internacional e não fizeram o que deveriam ter feito. A credibilidade moral dessa superpotência só diminui.

Do ponto de vista econômico, o comunismo fracassou. O modelo capitalista é certamente mais eficaz, só que ele provocou uma grande desigualdade. O capitalismo precisa ser repensado e redefinido.

Há tantas pessoas morando na rua, em todas as partes do mundo…
A partir dos anos 1970, considerou-se que, mesmo no plano social, o capitalismo seria mais eficaz do que o comunismo, uma ideia que se traduziu pelo Estado de bem-estar social. Mas as desigualdades cresceram e foram legitimadas. Pouquíssimas pessoas hoje detêm mais do que a metade da população do mundo. As classes médias que aspiravam a um futuro melhor perceberam que não progrediriam. Inclusive aqui na França. Trata-se de um desvio, uma deriva.

Você afirma que a desintegração das sociedades plurais da área do Levante provocou uma degradação moral irreparável, que afeta todas as sociedades humanas e desencadeia as barbáries.
O que aconteceu na minha região natal teve efeitos negativos no resto do mundo. O Levante é o berço de grandes civilizações. Se tivesse havido uma coexistência feliz, o efeito seria significativo pela função simbólica do Levante. O desenvolvimento de tensões identitárias violentas lá produziu tensões em todas as outras sociedades. Uma das consequências é nós termos hoje muito mais necessidade de proteção e aceitarmos, por isso, a incursão das autoridades na nossa vida privada, a restrição da nossa liberdade. O 11 de Setembro mudou a atmosfera do mundo inteiro.

Você fala, no seu livro, do ódio de si. O que explica a intensificação desse ódio no Oriente Médio?
Trata-se de um fenômeno recente. Houve uma mudança no mundo árabe depois da guerra de 1967. Com o fracasso de Nasser, as pessoas ficaram desesperadas, tinham vontade de destruir o mundo e se destruir. Isso criou uma atmosfera malsã no Oriente, e o entorno geral mudou.

Os atos terroristas então se explicam mais por razões históricas do que religiosas?
Não sei se é possível fazer essa separação. Um dos efeitos da guerra de 1967 é que o nacionalismo árabe, até então fundado no pertencimento linguístico, foi substituído por uma outra forma de nacionalismo, baseado na religião. Isso resultou primeiro na Revolução Iraniana e, a ela, seguiram-se os outros conflitos.

Você diz que nós precisamos de um equivalente moral do internacionalismo proletário, sem as monstruosidades resultantes deste. Em que consistiria isso?
Houve um recuo do universalismo, o que é paradoxal por causa da mundialização. A ideia de equivalente moral eu tirei de William James. No início do século 20, falava-se do efeito positivo que a guerra podia ter, ou seja, a mobilização de energias novas. Já William James dizia que era preciso encontrar um equivalente da guerra. Não precisamos de um Stálin, de um Pol Pot, e sim de um equivalente moral do internacionalismo proletário, que apregoa a solidariedade. Precisamos de uma nova ideologia para estruturar a sociedade, vencer o egoísmo e a tendência identitária.

Do que depende, na sua opinião, a aceitação das diferenças?
Quase todas as sociedades não sabem gerir a diversidade. Há países que sabem melhor como, por exemplo, os da América Latina –por haver gente oriunda do mundo inteiro. Os países da Europa não são feitos de imigração e não conseguem absorver muitas pessoas vindas de outras culturas. Sobretudo hoje, por causa da questão da identidade. Do meu ponto de vista, todos os aspectos da identidade são importantes. Quando a gente é originário de dois países diferentes é preciso assumir os dois. A identidade resulta da soma de todos os pertencimentos.

Para aceitar as diferenças é preciso ser educado para isso?
Sim. A ideia de viver junto não é simples, exige uma verdadeira cultura da paz, que nós devemos aprender. Mas eu não conheço um só país em que a questão seja considerada prioritária, em que se procurem soluções originais.

Você escreveu em seu livro que em lugar nenhum hoje as populações cristãs, muçulmanas e judias vivem juntas de maneira equilibrada e harmoniosa. Não é o caso do Brasil, onde a desarmonia se deve à desigualdade social.
Acho que eu me exprimi mal. Há uma grande diferença de um país para o outro. Você tem razão em dizer que, no Brasil, as coisas se colocam de outra forma. As tensões identitárias são menores.

A mestiçagem faz parte da nossa formação social.
Falei disso no meu livro anterior. As pessoas do Oriente Médio que vivem em conflito umas com as outras, têm uma conduta diferente ao chegarem no Brasil. Há países que, pela sua formação, sabem lidar com as diferenças. O fato de a pessoa ser originária de um outro lugar não é um problema.

Sabendo que há mais libaneses e descendentes de libaneses no Brasil do que no Líbano, o que a diáspora libanesa pode fazer pelo Líbano?
Muito. A começar pelo fato de que o Brasil foi uma bênção para os que emigraram —mais do que qualquer outro país do mundo. O que os membros da diáspora podem levar para o Líbano é uma abertura de espírito. Um dos problemas do meu país natal é o fechamento. Em vez de ficar voltado para os conflitos internos, o Líbano precisa ficar em simbiose com todos os que se instalaram em outros lugares.

Betty Millan é psicanalista e escritora, autora de “Carta ao Filho” (Record)

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