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Conto japonês revela a voltagem erótica de um pacto de morte (Folha de S. Paulo)

28/06/2020 — Alcir Pécora - Professor titular do Instituto de Estudos da Linguagem, da Unicam

Obra de Mishima faz lembrar crítica de Benjamin à humanidade que oferece a sua destruição como gozo estético

“Patriotismo”, escrito em 1960, é um dos contos mais celebrados de Yukio Mishima, depois roteirizado, dirigido e protagonizado por ele mesmo.

Acaba de ser lançado pela editora Autêntica, em tradução de Jefferson José Teixeira, como parte de um box que inclui ainda um volume de aparato crítico, preparado por Victor Kinjo, com imagens, bibliografia e um ensaio de sua autoria intitulado “Quem São Mishima?”.

O andamento do conto é decisivo no impacto que gera, com cinco tempos bem marcados. Os dois primeiros têm função preparatória e revelam que se vai narrar o suicídio de um jovem tenente e sua mulher, na noite de 28 de fevereiro de 1936, após o levante fracassado de uma facção do Exército imperial.

Também inclui um flashback da cerimônia de casamento do “casal heroico”, no qual sedução e refinamento levam a um juramento de honra e morte, vinculando o prazer do convívio à base moral do código educacional imperial.

Talvez fosse preciso dizer ainda que, trocando a mulher pelo amante, foi algo parecido que fez o próprio Mishima, após tentar ele mesmo, sem êxito, sublevar o Exército japonês.

Os três tempos seguintes do conto são espetaculares, no sentido forte de descrever um ritual. O primeiro deles revela a alta voltagem erótica contida no pacto de morte do casal e a alegria compartilhada do haraquiri.

O tenente toma banho, se barbeia; ambos bebem saquê, se beijam e copulam voluptuosamente, na expectativa da “morte honrosa” que funde ingredientes aparentemente díspares como compulsão carnal e patriotismo sincero.

A descrição de Mishima é de tirar o fôlego. Cada mínimo gesto e som ganha a clareza e o requinte de uma joia resplandecente, a ponto de a suprema elegância tocar o kitsch. Os sentidos se apuram diante da iminência da morte. A observação dos corpos durante o sexo ganha a eloquência de um “Cântico dos Cânticos” suicida, que, entretanto, por ora, culmina no momento explosivo do gozo mútuo.

Já com os corpos extasiados, o movimento seguinte acentua a urgência das novas tarefas do casal.

Redigem as notas mortuárias e se vestem. Ele veste a farda impecável e ela, depois de se maquiar, um quimono branco. Eles se posicionam nos tatames, um diante do outro, e o tenente sente a felicidade suprema de perceber, ali, a conjugação do ato militar da morte em batalha com a alegria da visão da mulher em casa, acontecimentos usualmente excludentes.

E se ele projeta na mulher os objetos patrióticos de devoção, ela, por sua vez, reconhece nele a perfeita materialização da beleza viril. O que acontece a seguir —clímax do conto, após o clímax do corpo—, é uma descrição minuciosa da prática do esventramento, de que nem vou tentar dar ideia aqui.

É um presente brutal para quem ler o livro. E tudo o que se pode esperar é que o leitor se comporte como a mulher valente e não recue diante da representação da agonia do tenente.

No quinto e último movimento, com o tenente já morto, a jovem esposa recompõe a maquiagem, desta vez com um batom mais intenso, pois agora se dirige ao mundo e não só ao marido. Depois de lhe beijar os lábios sem vida, se apunhala na garganta. Eis tudo.

Diante do conto de Mishima, é difícil não lembrar Benjamin a criticar uma humanidade que oferece a sua própria destruição como gozo estético. E, no entanto, diante da força do conto, como também não pensar isso como evidência de que a literatura não admite juízo anterior à forma?

A despeito de suas intenções, patrióticas ou performáticas, “Patriotismo” é escrita que avança objetivamente sobre a escuridão do desejo e da inteligência.

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