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Um conjunto de espirais

06/02/2012 — João Barrento, Estadão Online

Pode dizer-se que a partir de agora o lugar de M. G. Llansol e do seu texto singularíssimo não será com certeza o mesmo entre os leitores brasileiros verdadeiramente interessados na leitura como factor de amplificação do mundo (e não simples entretenimento) e em textos de excepção, como é o de Llansol. Estes diários mostram já – talvez ainda não completamente – uma obra sem par na nossa literatura contemporânea, mas que, devido ao isolamento escolhido pela autora, sempre à margem da feira das vaidades literárias, foi – e ainda é -, vista como texto esotérico, objecto de culto e quase devoção, mas também matéria de incompreensão e rejeição, em leituras sacralizadoras ou redutoras, como tantas vezes acontece com os textos maiores. Mas, como lembrou recentemente a escritora Hélia Correia, amiga de Llansol e também membro da Direcção do Espaço Llansol, “este texto não é meio de transporte. É, se quisermos, um cavalo que arrasta…” E por isso, diz ainda a Hélia, “os maiores inimigos da obra de Maria Gabriela eram os seus adoradores… Porque a adoração navega em círculos, cava o seu próprio vórtice e anula, na sua redundância de linguagem, o movimento da respiração que é, justamente, a troca desigual pela qual uma vida se sustenta.” (Llansol: A liberdade da alma, 2011, p. 34).

Nós, os que conhecemos hoje muito melhor todo o percurso de gestação deste texto, pensamos que, para além do trabalho imenso, rigoroso e paciente no acervo literário que Llansol nos confiou, é preciso agora ganhar distância crítica na leitura dessa Obra, para a fazer sair de um certo limbo de objecto exótico, que não é, e dar-lhe, isso sim, o lugar singular que tem de ser o seu, que é seu de pleno direito, na literatura portuguesa actual. Eduardo Lourenço já o disse, e a caixa que contém estes três diários traz inscrita essa sua frase (“Gabriela Llansol será o próximo grande mito literário português. A escrita dela é fulgurante. Não há nada que se possa comparar”, (entrevista, Revista LER, Setº. 2009).

Para que isto se entenda melhor, os Diários agora publicados em edição brasileira, nos seus registos múltiplos, poderão oferecer uma boa entrada aos leitores que chegam à casa do texto de Llansol, que nos é apresentada nesta belíssima edição da Autêntica, marcante e destinada a ter – assim o esperamos – uma boa recepção em todo o Brasil. De todos os aspectos em que se vê ou pode ver envolvido um livro, Llansol sempre privilegiou apenas dois: a própria escrita e a chegada ao leitor.

Nas suas próprias palavras, ao falar desse diário interminável que é a escrita nos cadernos, una e diversa e sem finalidade imediata, trata-se de privilegiar a pulsão de escrita e o resultado imprevisível da passagem do caderno ao livro, por meandros que hoje vamos conhecendo melhor; e acentua ainda a consciência de que não tem pretensões de “atingir a glória nacional”, mas tão somente a expectativa de que chegue o momento do encontro com o leitor, a “troca tão desejada entre o murmúrio e o ouvido”. E escreve mais, num projecto de diário de 1981: “…eu não sou escritor como eles, a escrita conduz-me, e eu devo, para o leitor a quem ela for dirigida, dar-lhe a forma de livro. (…) Como é possível crer-se que, através de tão pequenos episódios, se pode vir a ser imortal? Todos os dias, na competição, eles imolam parcelas dessa glória dentro da qual hão-de querer tornar-se visíveis, e não incandescentes. O verdadeiro enxofre desta multidão de sedentos é a intriga, e belo só seria o triste drama que com ela se fizesse…” (Colóquio-Letras 172, 2009).

Estes três Diários – e as entrevistas que os acompanham, e que são altamente esclarecedoras do pensamento, da ética e da estética que informam esta Obra – são um primeiro exemplo, em edição brasileira, da amplitude, da originalidade e da vibração de uma escrita que em vida da autora fez nascer perto de trinta livros. O resto é a continuação desses livros, e muito mais do que isso: tentaremos ir revelando, se para isso tivermos tempo de vida, a verdadeira dimensão desse rio contínuo e torrencial de escrita, a partir das quase 30.000 páginas do espólio que a Maria Gabriela nos legou. O texto com que abrimos o primeiro dos Livros de Horas (2009), com inéditos dos primeiros cadernos manuscritos, dá bem conta desse toque particular, ao lembrar como estes diários são atípicos, “uma constelação de imagens, caminhando todas as constelações umas sobre as outras”, diz a própria Llansol. Essas constelações formam uma rede densa, múltipla e rizomática de registos variados, do reflexivo ao informativo, do introspectivo ao crítico, do contemplativo ao irónico, do propriamente diarístico ao ficcional. É sempre o livro e a escrita, e não a “obra” ou a “literatura”, que nascem do caderno manuscrito, verdadeiro lugar seminal e caos original de onde surge toda a escrita de Llansol, o seu livro único.

Mas, o que é afinal um Diário de Llansol / um diário, para Llansol? Arriscaria dizer, paradoxalmente, que Llansol não é uma escritora de diários, e no entanto não fez outra coisa na sua vida senão escrever um diário – precisamente esse diário contínuo de que falei, e que ela, nestes diários agora editados pela Autêntica (muito directamente em Finita, o segundo), vai caracterizando de formas muito diversas. A sua escrita diarística, que nunca é meramente circunstancial, tanto pode fazer-nos entrar numa atmosfera luminosa, odorosa e musical, como sombria, pesada ou acre – mas nunca num espaço de ar condicionado! Lembro apenas uma passagem de um dos cadernos inéditos, o nº 20 da primeira série (de Dezembro de 1985), onde a forma própria do diário llansoliano – mais do que isso, de todo o projecto de escrita de Llansol – é iluminada por uma imagem que fala como… como um manuscrito aberto: “Antes que o meu destino termine, tenho necessidade de escrever o que falta. Não dez ou doze livros, mas o que está por escrever. Em dias singulares o Diário está no centro da vida. Não se trata de uma obra linear, mas de um conjunto de espirais em que tento absorver, de uma maneira finita e humana, o espaço e o tempo. Para cada espiral um tema – um nome – que nessa altura era dado a esse torvelinho de linhas.”. E umas páginas mais adiante: “Escrevo assim porque fiz um corte na verticalidade do espaço e do meu tempo.” (Caderno 1.20, pp. 32-33, 62).

O olhar sobre o mundo, o pequeno e o grande, o de dentro e o de fora, de quem assim escreve, não poderia ser o da ambição de pequenas glórias, é o de alguém que sabe que tem de sair da órbita mesquinha do poder e da crença (de que também o romance se não libertou), para assumir o “olhar à cão” que Llansol oferece a Vergílio Ferreira para o ajudar a fazer a Grande Viagem, num dos diários hoje disponíveis no Brasil, o Inquérito às Quatro Confidências. Com a clarividência que o marcava, Augusto Joaquim, marido e legente e crítico maior do texto de Llansol, escreveu um dia, num comentário inédito a este diário, algumas linhas absolutamente decisivas. Diz ele que esse é o olhar “que procura a luz que emerge, algures, entre a ética da responsabilidade, a procura intransigente do belo e o dito rasante e justo”. É difícil encontrar melhor radiografia para o Livro único e contínuo de Maria Gabriela Llansol.

DIÁRIOS DE LLANSOL

Auto: Maria Gabriela Llansol

Editora: Autêntica

Caixa com quatro volumes

(592 págs., R$ 117)

Para mais informações, entre em contato com nossa assessoria de comunicação pelo e-mail ou pelo telefone (31) 3465-4500 (ramal 207).

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