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Saiu na mídia - Diário do Nordeste: "A leitura e as narrações da história" - Entrevista com Roger Chartier

14/10/2009 — Dellano Rios - Repórter do Diário do Nordeste

Repórter Dellano Rios – 05/10/2009

Roger Chartier – Historiador

Em sua trajetória intelectual, o francês Roger Chartier escolheu pesquisar sobre um instrumento e um prática familiares ao seu ofício de historiador: o livro e a leitura. Diretor de estudos do Centro para Pesquisa Histórica da École de Hautes Études en Sciences Sociales, Chartier publicou mais de 10 livros no Brasil. Há pouco, chegaram às livrarias “Origens Culturais da Revolução Francesa” e “A história ou a leitura do tempo”: no primeiro, fala das práticas de leitura em um dos momentos mais importantes da recente história do Ocidente; no outro, dos impasses da disciplina – temas sobre os quais o historiador falou, por e-mail, ao Caderno 3

“Origens Culturais da Revolução Francesa” é um livro estranho em sua produção, pois o objeto não se restringe aos frequentes livro/leitura. Ao mesmo tempo, é possível sentir a presença destas duas noções ao longo do texto. O que o motivou a escrevê-lo?

O livro me foi sugerido por Keith Baker e Steve Kaplan, que coordenavam uma série de obras dedicadas à Revolução Francesa, para a Duke University Press (EUA), criada por ocasião do bicentenário, em 1789. O desafio era de retomar, senão superar, o livro de Daniel Mornet, publicado em 1933, “Les origines intellectuelles de la Revolution francaise” (texto clássico, mas inédito no Brasil). Substituir “intelectuais” por “culturais” obrigou e permitiu uma reflexão sobre a relação entre a circulação de livros, panfletos e jornais, as práticas de leitura e as transformações das representações coletivas. Daí, a pergunta: os livros fazem as revoluções? E a resposta: não, mas eles fazem o possível para que se compreenda o evento.

Os editores ingleses do livro escreveram sobre as mutações na forma como a história tratou a Revolução Francesa. Eventos político-culturais, como o maio de 1968, teriam ajudado a moldar a forma de interpretar aquela época. Duas décadas depois, quando as consequências dos eventos que provocaram a queda do Muro de Berlin já estão melhor definidas, o que mudou na forma de ver a Revolução Francesa?

Não sei ao certo se há uma linha direta entre os eventos do século XX (exceto, talvez, a Revolução Russa de 1917) e as sucessivas interpretações da Revolução Francesa. Estas refletem mais as transformações historiográficas. Sucedem-se ou confrontam-se as interpretações estritamente intelectuais (de Taine a Mornet), as interpretações sócio-econômicas (Labrousse, Soboul), as interpretações políticas (Furet, Baker)e as interpretações culturais, atentas ao papel da impressão, às transformações das sensibilidades, aos sistemas de representação e crenças (Darnton, Farge).

Por causa dessas transformações do olhar do historiador para um mesmo objeto, a disciplina da história costuma ser questionada. Para quem fala no “fim da história”, o uso da narrativa é incompatível com os métodos científicos. Em “A história ou a leitura do tempo”, você relativiza essa crítica, sem necessariamente defender os entusiastas da narrativa. Quais são os limites da narrativa que o historiador deve respeitar/ observar?

História é necessariamente contar um história, se compreendemos que ela é sempre uma escrita que envolve fórmulas narrativas, modelos retóricos e as figuras metafóricas das narrativas de ficção. Mas ela também é um saber que exige a construção de um objeto, a pesquisa de fontes, a escolha de uma metodologia, das provas e dos controles. Sem essas operações, não há história no sentido próprio da palavra, mas apenas uma fábula, um mito, uma quimera.

As ciências sociais e as humanidades basearam sua produção de conhecimento no texto, como se um coincidisse com o outro. Na era digital, a imagem ganhou força também no território acadêmico. Ainda é possível ao historiador ser valer apenas da palavra escrita?

Para os historiadores, o acesso ao passado depende sobretudo de documentos escritos, produzidos por instituições ou indivíduos. Daí a dificuldade de reconstruir as práticas conhecidas apenas pelos discursos que as representam, relatam, proscrevem, prescrevem etc. Mas há também outras fontes, e desde a Antiguidade: as imagens (pinturas, gravuras, impressos), os monumentos e os objetos, as árvores, testemunhas das mudanças climáticas (como mostra a dendrocronologia), os rastos humanos, de uma antropologia física retrospectiva, até mesmo as paisagens, as próprias palavras dos atores recolhidas pela história oral. A Internet não mudou nada disso, a não ser o fato de que a reprodução digital dos textos e das imagens permite um acesso mais amplo a estas fontes.

A julgar por alguns de seus livros, como “Inscrever e apagar”, “Leituras e leitores na França do Antigo Regime”, você é um autor que escreve de maneira clara, sem o hermetismo que contamina boa parte da produção acadêmica. O historiador é também um escritor? Ele precisa se preocupar com o estilo?

Muito obrigado. Como mostram as escritas inventivas e sedutoras de Natalie Davis, Carlo Ginzburg ou Robert Darnton, o historiador dever ser também um escritor capaz de organizar com imaginação, sutileza e arte os materiais de sua demonstração – e, claro, respeitando as regras de comprovação, verificação e controle exigidos pela produção do saber. Não tenho talento e minha história é menos puramente “narrativa” – no sentido da reconstrução de um meio, de uma existência ou das almas mortas. Tento compensar esta falta de talento “literário” com a clareza da argumentação e do raciocínio.

As referências a obras de ficção em seus livros indicam que, para além do pesquisador, você é um leitor dedicado. Em que medida foi sua experiência como leitor o motivou a explorar como pesquisador temas relacionados às práticas de leitura?

Eu, como leitor, sempre quis saber como foram lidas ou vistas as obras que me fascinavam: “Dom Quixote”, os romances picarescos, as peças de Shakespeare e de Molière, os romances do século XVIII etc. Essa questão, que acompanha meu prazer na leitura, certamente inspirou minhas pesquisas sobre os modos de ler, seus leitores e, mais recentemente, minha atenção para com as múltiplas formas da presença dos objetos e com as práticas da cultura escrita (dos leitores e das leituras) nas obras de ficção que se valem delas.

O quarto capítulo de “Origens Culturais da Revolução Francesa” é intitulado “Será que livros fazem revoluções?”. Pensando nos tempos presentes, em que o Estado busca resgatar certo prestígio da leitura, de que é capaz o livro?

Sem dúvida, não uma revolução. Mas, pelo menos, permite aos leitores imaginar outros mundos possíveis, conhecer o instrumental crítico que permite uma melhor percepção da sociedade em que se vive (e, muitas vezes, se sofre), e, ainda, se aproximar da beleza, que é uma graça raramente permitida aos homens, como disse Borges.

“A história ou a leitura do tempo”
Roger Chartier
R$29,00
80 páginas
2009
AUTÊNTITCA
Traduzido por Cristina Antunes, é um dos textos mais fáceis de Roger Chartier, em que o autor se vale do gênero ensaístico para discutir questões concernentes a seu fazer como historiador. A discussão é iniciada com uma revisão do debate em torno do “fim da história”, enumerando as aproximações e afastamentos entre a ciência História e a narração. Destaque para “A história na era digital”, na qual fala das transformações de método impostas pela “textualidade eletrônica”. (DR)

Confira o link para a matéria aqui.

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