Teresa Montero, especialista na obra de Clarice Lispector, fala sobre seu fascínio com a autora

Equipe - Publicado na categoria Entrevistas em 10/12/2021


Clarice Lispector é um dos nomes mais importantes da literatura brasileira. Nascida na Ucrânia, em 10 de dezembro de 1920, chegou ao Brasil em 1922, e passou a infância entre Alagoas, Pernambuco e Bahia. Em 1935, ainda adolescente, chegou ao Rio de Janeiro, cidade que marcou definitivamente sua trajetória pessoal, acadêmica e profissional, transformando a capital carioca em cenário de muitos de seus escritos.

Essa intensa relação afetiva não passou despercebida pela pesquisadora Teresa Montero, que há mais de 30 anos vem se dedicando à obra clariceana, o que a torna uma das maiores especialistas no tema.

Montero é autora de O Rio de Clarice: Passeio afetivo pela cidade, publicado pela Autêntica em 2018, que nasceu a partir de um projeto de mesmo nome e que segue como um dos livros favoritos entre os leitores da editora. Também pudera: esta obra nos conduz, com maestria, por sete caminhos feitos por Clarice Lispector, revelando um Rio onde a escritora viveu por 28 anos, até seu falecimento, em 9 de dezembro de 1977 – na véspera de seu aniversário.

Teresa Montero acaba de lançar também À procura da própria coisa: uma biografia de Clarice Lispector (Rocco).
Em entrevista ao Blog do Grupo Autêntica, Montero revelou como surgiu seu fascínio pela autora de A hora da estrela.

Quando surgiu seu interesse por Clarice Lispector?
Ainda na adolescência. Eu estava no ensino médio e a professora de Língua Portuguesa fez um encontro chamado “Laços de família”. Eu tinha 15 anos e fiquei impressionada com esse conto, e aquilo ficou na minha memória. É uma história que fala sobre a relação entre mãe e filha, uma relação conturbada. Nessa época li também uma crônica chamada “Medo da eternidade”, na qual ela conta que a irmã a deu um chiclete dizendo que, se ela continuasse mastigando, aquilo duraria a vida inteira, o que a fez começar a especular sobre a eternidade. Foi nesse primeiro momento que surgiu meu interesse. Depois de um tempo, assisti a um show da Maria Bethânia, e ela declamou alguns trechos de Água viva, e aí eu fiquei encantada. Já era leitora de Clarice, mas tinha lido poucas coisas. A partir daí comecei a me aproximar mais da obra. Depois, na faculdade de Letras, eu pude de fato mergulhar em sua obra.

Clarice Lispector é a escritora brasileira mais traduzida do mundo. A que você credita isso?
Acredito que exista uma grande rede de professores e pesquisadores de Clarice no Brasil. O grande interesse aqui no Brasil repercute também no exterior, onde existem canais de troca. Dessa forma acabam surgindo tradutores, professores que vivem em outros países e disseminam as obras. O fato de a obra estar sendo editada permanentemente, sempre com novos livros, faz com que o nome de Clarice Lispector circule. Saem matérias, entrevistas, estão sempre falando sobre ela. Cria-se uma rede de profissionais, biógrafos e jornalistas e formam-se pontes. E, claro, o fato de ela ser uma grande escritora fez com que virasse um mito literário. Nas traduções, dá-se preferência a autores que alcançaram esse patamar.

Você pesquisa a vida e a obra de Clarice Lispector há muitos anos. Em todo esse tempo, o que descobriu que mais te fascinou?
São duas coisas: a carta que ela escreveu para o presidente Getúlio Vargas em junho de 1942. Nessa carta ela solicita a antecipação de sua naturalização. Foi encontrada no Arquivo Nacional, em meio aos documentos do processo de naturalização de Clarice. E a entrevista que ela concedeu à TV E no Rio em dezembro de 1976, no programa “Os Mágicos”, de Araken Távora, concedida no apartamento dela, no Leme. É o único registro de Clarice em seu apartamento. Essa entrevista faz parte do documentário “A descoberta do mundo”, da cineasta pernambucana Taciana Oliveira, que será transmitido no Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo.

Nos últimos anos vêm crescendo o interesse sobre ela, sua figura e sua obra. A que isso se deve?
O advento da internet ajudou nessa divulgação, assim como a maneira como ela escreve. O texto de Clarice Lispector é filosófico, lírico, poético. O que ela escreve é bonito, delicado, e isso toca as pessoas. Ela sempre traz questões do dia a dia, do estar no mundo, na vida, o que ela escreve emociona muito o leitor. A partir do momento em que você conhece Clarice, tem vontade de conhecer mais. Há também muito investimento do mercado editorial, então são vários fatores que explicam esse fenômeno. Clarice é universal.

Como nasceu o projeto O Rio de Clarice?
O Rio de Clarice, precisamente, nasceu em Itabira. Eu fui à Itabira, acho que em 2002, quando estava fazendo uma peça de teatro inspirada na obra Dona Rosita, a solteira, de García Lorca, traduzida por Carlos Drummond de Andrade. Quando chegamos, convidaram os atores para fazer um tour. Visitamos a parte antiga da cidade, os caminhos drummondianos. Quando vi aqueles caminhos, com placas, os poemas de Drummond onde as placas estavam, as informações sobre os lugares que foram importantes para Drummond… São muitos lugares, fomos andando vendo esses caminhos, e quando vivi essa experiência, pensei em fazer isso com Clarice no Rio. Mas só fui realmente criar o caminho de Clarice em 2008. Depois ele foi sendo amadurecido pela minha experiência como professora, pois eu queria dar aulas fora da sala de aula. A proposta de O Rio de Clarice é conhecer a autora por meio de 17 bairros, e também conhecer a cidade do Rio de Janeiro. Existem os caminhos dela, porque ela morou ali, frequentava aqueles lugares, mas também tem um pouco da historia da cidade, daquele bairro. Nesse projeto, eu junto os dois aspectos, a Clarice e a cidade do Rio de Janeiro.

A exposição “La Maison de Clarice”, organizada pelo Consulado da França no Brasil, será aberta no dia 10 de dezembro, data do aniversário da escritora, e traz o mapa de Clarice no Rio, que integra o livro publicado pela Autêntica. Como esse material será apresentado ao público?
O mapa de Clarice será apresentado como está no livro O Rio de Clarice, reproduzindo os sete caminhos clariceanos. Quem for à exposição verá esses trajetos, que começam na Tijuca, passam pelo Centro, Catete, Botafogo, Cosme Velho, Jardim Botânico e vão até o Leme. Além disso, verá fotos, imagens mostrando esses caminhos, trechos de obras dela, para que o leitor possa entender porque aquele caminho foi escolhido. Na exposição, o leitor poderá “ver” o livro de uma forma mais compacta.

Para visitar:
Exposição La Maison de Clarice

Para saber mais:
O Rio de Clarice, de Teresa Montero
Feliz aniversário, Clarice – Contos inspirados em Laços de Família, organizado por Hugo Almeida
A hora da estrela de Clarice, de Sérgio Antônio Silva

Leia também:
Há cem anos nascia uma estela chamada Clarice Lispector, de Hugo Almeida

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O Rio de Clarice: o passeio e o livro, uma aliança com a integridade, de Teresa Montero

Assista:
Panorama com Clarice Lispector, da TV Cultura

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