Dia do Orgulho LGBT: Do armário às prateleiras

Pedro Pinheiro - Publicado na categoria Palavra da Editora em 28/06/2018


foto de Till Westermayer

Uns quatro anos atrás, ouvi de uma professora: “você não pode ser o que você não pode ver”. Era uma aula sobre representação, e falávamos do papel das representações midiáticas na construção do imaginário popular sobre determinados grupos sociais.

De maneira sucinta, nós entendemos o mundo a partir daquilo que vemos e que já conhecemos. A representação midiática e, em especial, as narrativas de filmes, séries e livros, nos ajudam a construir mundos possíveis, a imaginar realidades distintas da nossa e a descobrir modos de estar no mundo que talvez nunca tenham passado pela nossa cabeça.

Hoje, no Dia do Orgulho e da Visibilidade LGBT, essa frase me vem mais uma vez à mente. Somos bombardeados o tempo inteiro, e desde a mais tenra idade, com narrativas cis-heterossexuais. Nos apresentam essa como a primeira – senão a única – maneira de viver, e a quem não está de acordo cabe uma existência de vergonha e invisibilidade.

Quando criança, tudo o que eu conhecia sobre a homossexualidade era AIDS e fetiche. “Lésbica” era categoria de site pornô, homens gays eram “homens que queriam ser mulher”, e a transexualidade, por sua vez, só existia na prostituição. A homossexualidade do meu tio era assunto velado em casa, e na escola o colega afeminado era zoado sem trégua.

Nesse cenário, é claro que eu me escondi. Eu tive vergonha, medo. Sem sequer ser religioso, pedi para Deus me consertar.

O que me ofereceu alento foram as narrativas às quais me voltei: as séries, os filmes, os livros. Conheci personagens lésbicas que existiam para além do olhar masculino. Conheci personagens gays que não “queriam ser mulher”, mas sim gostavam de outros homens. Descobri que algumas pessoas gostam de homens e de mulheres, e tá tudo bem ser bissexual. Mais recentemente, conheci o Justin, nascido Justine, e junto com ele criei coragem para ser quem eu sou de verdade.

Com cada narrativa, aprendi que o mundo era muito maior do que aquele que existia ao meu redor, e que a nossa existência não precisa se limitar às regras da cis-heteronormatividade. Veja bem, livro nenhum me ensinou a ser trans. Livros não ensinam ninguém a ser gay, lésbica, bi ou trans. Mas eles nos dão algo que, com frequência demais, nos falta: esperança. Compreensão. Orgulho.

É claro que, sozinhos, os livros não vão mudar o mundo. A existência LGBT é uma existência de luta – até mesmo o nosso dia de orgulho marca o aniversário de confrontos com policiais, as Revoltas de Stonewall. Mas eles são uma ferramenta importante para mostrar às outras pessoas que nós existimos para além da AIDS, da pornografia, da prostituição, da piada homofóbica. E para muitos de nós, os livros podem ser a “tábua de salvação”, aquilo que nos diz que não há nada de errado conosco e nos mostra que outras maneiras de existir são possíveis.

Alguns de nós ainda têm vergonha de serem vistos. Para outros, o risco é grande demais e a invisibilidade é condição de existência. É por isso que, 49 anos depois de a primeira pedra ser atirada em Stonewall, continuamos lutando. Que estejamos nas ruas, nas escolas, nas empresas, nas televisões e nas prateleiras. Que possamos ver, com clareza e orgulho, tudo aquilo que somos e podemos ser.

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Pedro Pinheiro é assistente editorial do selo Vestígio do Grupo Autêntica, faz mestrado em Comunicação Social e jura que não tem o costume de falar de si na terceira pessoa.

Tags:  lgbt,  orgulho lgbt,  representatividade,  literatura


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