As ondas, de Virginia Woolf - interlúdio VI

Tomaz Tadeu | Virginia Woolf - Publicado na categoria Palavra da Editora em 20/01/2021


Até o lançamento de As Ondas, previsto para o primeiro semestre de 2021, publicaremos, semanalmente, os nove trechos que Virginia chamava, em seu diário, de “interlúdios”, nos quais uma voz narrativa descreve o movimento do sol desde a madrugada até o anoitecer e uma série de eventos associados a cada um de seus estados. A tradução é de Tomaz Tadeu.


interlúdio VI

O sol não estava mais no meio do céu. Sua luz se enviesava, caindo obliquamente. Aqui se enredava na borda de uma nuvem e a inflamava fazendo dela uma fatia de luz, uma ilha ardente na qual nenhum pé poderia se apoiar. Então outra nuvem se enredava na luz e outra e outra mais, de modo que, embaixo, as ondas eram transpassadas por flamejantes dardos emplumados que disparavam erraticamente pelo meio do azul tremulante.

As folhas mais altas da árvore se encrespavam sob o sol. Elas farfalhavam, rígidas, sob a casual brisa. Os pássaros empoleiravam-se imóveis a não ser pelo fato de que moviam bruscamente a cabeça de um lado para o outro. Agora interrompiam seu canto como se estivessem fartos de som, como se estivessem empanturrados da abundância do meio-dia. A libélula pousava imóvel num junco e então, cortando o ar, arremessava seu bordado azul para mais longe. O zumbido longínquo parecia, à distância, feito do intermitente frêmito de asas delicadas numa dança de sobe e desce sobre o horizonte. A água do rio mantinha agora os juncos firmes como se um vidro tivesse se fixado à sua volta; e então o vidro cedia e os juncos se envergavam. Meditando, cabeça baixa, os bois se estendiam pelos campos e pesadamente moviam uma pata e depois a outra. No balde perto da casa a torneira parou de pingar como se o balde estivesse cheio, e então a torneira pingou uma, duas, três gotas, uma depois da outra.

As janelas exibiam erraticamente salpicos de fogo ardente, o cotovelo de um ramo, e então algum espaço tranquilo de pura claridade. A persiana pendia rubra no canto da janela e dentro do quarto adagas de luz caíam sobre as cadeiras e as mesas abrindo fissuras ao longo da laca e do verniz. O vaso verde se abaulava enormemente, junto com a janela branca que se alongava ao seu lado. A luz, empurrando a escuridão à sua frente, se derramava profusamente nos cantos e nas saliências; e, contudo, empilhava a escuridão em montículos de forma indefinida.

As ondas se amontoavam, dobravam o dorso e quebravam. Seixos e cascalho espirravam para o alto. Elas se lançavam à volta das rochas, e o esguicho, saltando alto, salpicava as paredes de uma gruta que antes estava seca, e deixava poças no interior, onde algum peixe perdido sacudia o rabo enquanto a onda recuava.


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