A Yellowfante dá as boas-vindas a Cidinha da Silva e Josias Marinho

Equipe - Publicado na categoria Entrevistas em 02/12/2021


Foi com muita alegria que, recentemente, demos as boas-vindas a Cidinha da Silva e a Josias Marinho, respectivamente autora e ilustrador de O mar de Manu, lançamento de novembro da Editora Yellowfante.

Neste livro, vamos conhecer a poética história de um menino que pescava estrelas, e que se passa entre três países não banhados pelo mar, regiões irmãs que tiveram povos separados pelo colonialismo: Níger, Burkina Faso e Mali. Povos islamizados abundam entre esses três países. Os Tuareg habitam o imaginário de todo mundo por ali, são povos nômades, seculares. Na vida de Manu, o personagem principal, podemos ver um pouco da cultura e das tradições dos povos da região.

Cidinha Silva é considerada uma das maiores vozes do movimento negro no Brasil. Presidiu o Geledés – Instituto da Mulher Negra e fundou o Instituto Kuanza, que promove ações de educação, ações afirmativas e articulação comunitária para a população negra. Também foi gestora de cultura na Fundação Cultural Palmares e tem diversas obras publicadas, entre contos, crônicas, poesia, teatro e livros infantis, parte deles traduzidos para o alemão, catalão, espanhol, francês, inglês e italiano.

Josias Marinho é artista, professor e pesquisador. Ilustrou diversos livros infantojuvenis, sempre representando a cultura negra e já teve suas obras selecionadas para feiras internacionais. Entre seus títulos, destaca-se Benedito (Editora Caramelo, 2014), história de uma criança que possui um tambor mágico que guarda a memória de seu povo.

Em entrevista para o Blog do Grupo Autêntica, Cidinha da Silva e Josias Marinho falam sobre O mar de Manu e discutem a importância da representatividade na infância e como podemos tratar de temas difíceis, como o racismo, para esse público. Confira.


BATE-PAPO COM CIDINHA DA SILVA


left

Como falar sobre racismo com crianças?

Penso que todos os temas devam ser tratados com as crianças, inclusive aqueles relacionados às violências, de maneira indistinta, pois elas precisam aprender a se defender. Do ponto de vista da literatura, o grande desafio é a construção de uma linguagem que respeite os processos cognitivos delas, ou seja, que não as atropele, mas também, que não as subestime.

Qual é o impacto da representatividade quando se inicia desde a infância?

As pessoas merecem e precisam se ver e a seus iguais em situações positivadas que funcionam como insumos e como espelho para que construam imagens positivas de si e de sua forma de estar no mundo.

Com toda a sua experiência na área da Educação, você vê diferença no processo de socialização entre as crianças que têm acesso a esse tema e as que não têm?

Sim, sem dúvidas. A criança branca que não passa pela problematização das desigualdades que o racismo engendra crescerá acreditando que as coisas “são assim mesmo”, ou seja, que existem lugares de superioridade para as pessoas brancas e de subalternização para as pessoas negras e indígenas. Se o aterro das desigualdades não for revolvido, as crianças aceitarão a naturalização das desigualdades raciais. As crianças negras e indígenas, por outro lado, se forem afastadas dos debates raciais, como forma de pretensa proteção, crescerão fragilizadas e sem dispor de ferramentas adequadas para se defenderem e para forjarem as mudanças necessárias no sentido de combater a subalternização e de construir outro ethos para que possam existir com dignidade e humanidade plenas.

Quais são as principais diferenças entre escrever sobre temas como africanidades, feminismo e racismo para adultos e para crianças?

Os três temas por si mesmos são distintos, certo? Não são orientados pelo mesmo diapasão. O racismo é uma expressão perversa da humanidade, algo estúpido e cruel sem qualquer nuance de aceitabilidade. O feminismo é um movimento político protagonizado pelas mulheres em busca de sua emancipação. Como toda luta política, enfrenta a crueza daquilo que se quer derrubar (o patriarcado), a beleza do processo de luta, das relações de solidariedade na busca de direitos, das conquistas e transformações. As africanidades são, a um só tempo, o fundamento e o resultado das lutas emancipatórias travadas por pessoas negras em diáspora, e o construto das Áfricas possíveis modeladas por lugares onde fomos desterrados. A principal diferença ao abordá-los com pessoas adultas ou crianças será a linguagem requerida para dialogar com estas ou aquelas.

O que os leitores podem esperar de O mar de Manu?

Trata-se de um livro bonito, bem cuidado, costurado por uma linguagem de poesia, beleza e sutilezas. As ilustrações de Josias Marinho são belíssimas e casaram-se harmoniosamente com o texto. Manu, nosso personagem central, nos convida a viajar a partir da nossa capacidade de sonhar e de inventar mundos onde caibam nossos infinitos em expansão.


BATE-PAPO COM JOSIAS MARINHO


left

Como foi a experiência de ilustrar O Mar de Manu?

O texto de Cidinha da Silva me trouxe uma situação que gosto muito: a fantasia. Isso me dá liberdade para extrapolar a representação do real, do cotidiano palpável… Me oferece a possibilidade de reconstruir cenários já solidificados em nosso imaginário. Gosto de trabalhar com o mínimo de cenários para que a imaginação do leitor, do fruidor seja incentivada a dialogar com minhas ilustrações. Para O mar de Manu, além das colagens e impressões já conhecidas em meu trabalho, usei mais massas pictóricas. Na pele dos personagens eu explorei mais cores, buscando um diálogo com uma pintura mais expressionista, digamos. E o céu-mar de Manu foi uma colagem marmorização.

Quem você tem como referência na inspiração do seu trabalho?

Tenho alguns ilustradores e artistas plásticos que gosto muito (principalmente, a partir do período moderno). Sempre me acompanham nos estudos e experimentações. Mas para cada texto eu tento buscar algum elemento ou situação que possa virar uma imagem ou tratamento plástico.

Na sua infância, você se sentiu representado por algum personagem?

Infelizmente, só tinham personagens e situações que serviram para alimentar chacotas racistas que sofri na escola, principalmente. Hoje tenho 42 anos e não consigo lembrar de nenhum personagem nos livros que li, nos filmes e novelas que assisti, nos folhetos, nas propagandas que chegaram até mim, que pudesse me representar de maneira construtiva.

Como você enxerga a importância de ilustrar um livro que tem como protagonista uma criança negra?

Estou trabalhando com literatura negro-brasileira, afro-brasileira há mais de dez anos. Nesse período tenho recebido muitos retornos das próprias crianças sobre o prazer de se verem nas páginas dos livros que, cada vez mais, estão disponíveis em salas de leitura, bibliotecas, jogos, exposições etc. Vejo isso como um êxito das discussões propostas pelos movimentos negros. Colhemos os frutos desses movimentos e fazemos parte dele.

Para os pais que querem ler com os filhos livros com mais representatividade, quais livros você indicaria?

Com os meus traços: Benedito (Josias Marinho, Editora Caramelo), O príncipe da beira (Josias Marinho, Mazza Edições), Zumbi dos Palmares em cordel (Madu Costa, Mazza Edições), Omo-Obá: história de princesas (Kiusam de Oliveira, Mazza Edições).

Outros: Cumbe (Marcelo de Salete, Veneta); Angola Janga (Marcelo de Salete, Veneta); Encruzilhada (Marcelo de Salete, Leya); Betina (Nima Lino Gomes, Mazza Edições); Amor de cabelo (Matthew A. Cherry, Galerinha); Chuva de manga (James Rumford, Brinque-Book); O pequeno príncipe preto (Rodrigo França, Editora Nova Fronteira); Sulwe (Lupita Nyong’o, Rocco Pequenos Leitores); Amoras (Emicida, Companhia das Letrinhas).

Para saber mais:
O mar de Manu, Editora Yellowfante

Tags:  editora yellowfante


Comentários