8 perguntas para Marcio Pitliuk

Equipe - Publicado na categoria Nossos Autores em 26/01/2021


Marcio Pitliuk Marcio Pitliuk é um dos maiores especialistas brasileiros no Holocausto e, desde 2008, se dedica a divulgar o que é considerado o maior crime da Humanidade. É diretor no Brasil do Yad Vashem, o mais importante centro de pesquisas e ensino do Holocausto, sediado em Jerusalém, além de curador do Museu da Imigração Judaica e Memorial do Holocausto de São Paulo. Sobre esse tema, faz palestras, realizou três longas-metragens e escreveu quatro livros, entre eles O homem que venceu Hitler e o recém-lançado A alpinista, ambos pela Editora Vestígio.

Nesta entrevista para o Blog da Autêntica, o autor fala sobre Segunda Guerra, Holocausto e os desafios – ou, como prefere dizer, exercício de imaginação – de criar personagens de ficção tendo como base acontecimentos reais. Leia esta conversa na íntegra.


Em sua opinião, por que o tema Segunda Guerra desperta tanto fascínio nas pessoas?

A Segunda Guerra e o Holocausto, não podemos separar um do outro, são os temas que mais geraram filmes e livros em todo o mundo. Acredito que o Holocausto seja o assunto mais premiado com o Oscar. Diretores do calibre de Steven Spielberg, Quentin Tarantino e Stanley Kubrick fizeram filmes sobre isso. O fascínio tem vários motivos. Um deles é o interesse mórbido do ser humano por violência. Anne Frank escreveu “apesar de tudo, acredito na bondade humana”. O sobrevivente do Holocausto, Júlio Gartner, dizia que não acreditava, ele passou por cinco campos nazistas. Concordo com o Júlio. Outro motivo é que a Segunda Guerra recriou o mundo no Século XX, com o crescimento do fascismo e do comunismo, as novas fronteiras na Europa, África e Oriente Médio, as migrações em massa, o surgimento da Guerra Fria e da disputa entre União Soviética e Estados Unidos, a criação de novas nações e tantos outros fatos. Mais um motivo, e tão importante quando os anteriores, é que o Holocausto foi um acontecimento tão fora da curva, tão inusitado, que permite que qualquer romance, por mais ficcional e criativo que seja, possa realmente ter acontecido.

Quais são os desafios de escrever uma história de ficção tendo como base acontecimentos reais?

Eu diria que é mais um delicioso exercício de imaginação do que um desafio. É claro que é preciso ter uma boa base histórica, conhecer em detalhes os fatos e acontecimentos, e isso exige muito estudo e pesquisa, mas juntar personagens reais aos de ficção é divertido.

Como foi seu trabalho de pesquisa para a escrita de seus livros?

Comecei a estudar o Holocausto e a Segunda Guerra em 2008 e não parei mais. Li centenas de livros, assisti outro tanto de filmes, visitei os principais museus do Holocausto em todo o mundo, conheci boa parte dos países onde tudo isso aconteceu e, principalmente e mais importante que tudo, tive o privilégio de entrevistar dezenas de sobreviventes do Holocausto. Eles são testemunhas oculares da tragédia. Não são pesquisadores, historiadores, eles viram e viveram os acontecimentos.

É mais fácil escrever sob a ótica de quem era adepto do regime nazista ou daqueles que sobreviveram ao Holocausto?
Nem mais fácil nem mais difícil. Escrever sobre um nazista é um exercício interessante pelo ponto de vista de quem participou e se beneficiou do sistema. E tem a vantagem de ser mais inusitado, pois em geral os autores escrevem sobre as vítimas e não os carrascos.

Há semelhanças entre O homem que venceu Hitler, seu primeiro livro publicado pela Editora Vestígio, e A alpinista, seu novo romance?

As semelhanças são pelos ângulos diferentes que eu busco para mostrar o Holocausto. Em O homem que venceu Hitler eu quis contar o lado polonês da História. Nem todos os poloneses foram/são antissemitas, nem todos são ruins. Muitos ajudaram os judeus ou não ajudaram os nazistas. Esse livro discute a intolerância e o preconceito. Não podemos generalizar, que foi isso que os nazistas fizeram. Em A alpinista eu quis mostrar a participação das mulheres no Holocausto, assunto muito pouco comentado e apresentado. As esposas e amantes dos nazistas sabiam de onde vinham as joias, casacos de peles e brinquedos que os maridos traziam para casa, e mesmo assim aceitavam de bom grado. Recentemente pudemos ver algo parecido no Brasil. As esposas dos corruptos não sabiam de onde vinham as fortunas repentinas dos maridos?

Hannelore, figura principal de A alpinista, desperta muitas paixões. Ao leitor, entretanto, suas atitudes podem parecer questionáveis. Quais foram os desafios para a criação desta personagem?

Quando eu crio, não penso nisso. Primeiro penso no que quero dizer, depois desenvolvo a história e por fim chego nos personagens que me permitem contar a história. Se é boa ou má, ética ou amoral, isso não me vem ao caso. Eu preciso contar a história. Pessoas diabólicas sempre dão bons personagens, como Drácula, o serial killer Hannibal, o Lobo Mau e tantos outros.

Vivemos um momento de negacionismo histórico, com líderes de extrema direita ocupando posições chave em diversos países. Você acredita que o esquecimento poderia nos levar a uma situação extrema ou a um conflito de grandes proporções?

Em primeiro lugar, acho que rotular de “líderes de extrema direita” é errado. A extrema esquerda é tão ruim quanto a direita. Para mim, não existem esses espectros políticos. Existe o Homem, e o Homem é mau, ganancioso, busca o poder e a fortuna a qualquer custo. Assassinato se for preciso. Stalin matou milhões, Mao idem, Fidel, Kim, Pinochet, Galtieri, todos mataram, sejam de “direita ou esquerda”. Negacionismo ou não, o Homem é o único animal que escreve a História, e mesmo assim repete os erros, pois sempre surge um psicopata que chega ao poder e só pensa em se manter no poder. Por isso, é possível um conflito desses voltar. O Holocausto aconteceu há pouco tempo, em meados do Século XX, num dos países mais cultos da época.

Assim como a Segunda Guerra, vivemos um momento histórico. Que mensagem um sobrevivente do Holocausto deixaria para quem vive nos dias de hoje?

Os sobreviventes que conheci e convivi sempre falam que é preciso combater a intolerância e o preconceito, cortar o mal pela raiz. Eles recordam que colegas da escola, de um dia para o outro, passaram a inimigos mortais. O preço da liberdade é a eterna vigilância.


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