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SINOPSE

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Paris, 1941. O país é ocupado pelo exército nazista, e o medo invade as casas e as ruas francesas. O poder de Hitler se mostra absoluto e brutal… É durante um dos períodos mais turbulentos da História que a emocionante narrativa de Joseph e Maurice se desenrola. Irmãos judeus de 10 e 12 anos de idade, perambulam sozinhos pelas estradas, vivendo experiências surpreendentes, tentando escapar da morte e em busca da zona livre para ganhar a liberdade.

Essa é uma história real, autobiográfica, cuja espontaneidade, ternura e humor comprovam o triunfo da humanidade e da empatia nos momentos mais sombrios, quando o perigo está sempre à espreita… Os meninos que enganavam nazistas conta a fantástica e emocionante epopeia de duas crianças judias durante a ocupação, narrada por Joseph, o mais jovem.

Paris, 1941. O país é ocupado pelo exército nazista, e o medo invade as casas e as ruas francesas. O poder de Hitler se mostra absoluto e brutal… É durante um dos períodos mais turbulentos da História que a emocionante narrativa de Joseph e Maurice se desenrola. Irmãos judeus de 10 e 12 anos de idade, perambulam sozinhos pelas estradas, vivendo experiências surpreendentes, tentando escapar da morte e em busca da zona livre para ganhar a liberdade.

Essa é uma história real, autobiográfica, cuja espontaneidade, ternura e humor comprovam o triunfo da humanidade e da empatia nos momentos mais sombrios, quando o perigo está sempre à espreita… Os meninos que enganavam nazistas conta a fantástica e emocionante epopeia de duas crianças judias durante a ocupação, narrada por Joseph, o mais jovem.

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Os meninos que enganavam nazistas:
			I
			Sinto a bolinha de gude entre meus dedos, no fundo do bolso.
			É a minha preferida, que trago sempre comigo. O engraçado é que é a mais feia de todas:
			nada a ver com as lindas bolinhas de ágata que admiro na vitrine da loja do seu Ruben, na
			esquina da Rua Ramey. É uma bolinha de barro coberta com um verniz meio descascado,
			o que cria asperezas na superfície, desenhos, parece até uma miniatura do globo terrestre
			que tem na minha sala de aula.
			Gosto dela, é bom ter a Terra dentro do bolso, as montanhas, os mares, tudo bem
			escondidinho.
			Sou um gigante e carrego comigo todos os planetas.
			– Então, vai jogar ou não vai?
			Maurice espera, sentado na calçada bem na frente da loja de frios. Suas meias sempre
			descem, formando uma sanfona, por isso papai o chama de sanfoneiro.
			Parada no vão da porta, a dona Epstein olha pra gente. É uma velha búlgara toda enrugada,
			mais murcha do que uva-passa. Mas que estranhamente manteve o rosto bronzeado
			de quem vive nas grandes estepes. Ali, no vão da porta, sentada em sua cadeira de palha,
			ela é como um pedaço vivo do mundo balcânico que mesmo o céu cinzento da periferia
			de Paris não apaga.
			Fica ali todos os dias e sorri para as crianças que voltam da escola.
			Contam que atravessou a Europa a pé, fugindo dos pogroms, os massacres de judeus, e
			veio parar ali na Porta de Clignancourt, no distrito XVIII1 de Paris, onde encontrou outros
			refugiados do Leste: russos, romenos, tchecos, alguns companheiros de Trotsky, intelectuais,
			artesãos. Faz 20 anos que chegou: por mais que a cor do seu rosto se mantenha, muitas das
			suas recordações já devem ter se perdido.
			Ela ri ao me ver balançando para um lado e para o outro. Esfrega as mãos no avental
			gasto, tão preto quanto meu uniforme: nessa época, os uniformes escolares eram todos
			pretos, uma infância de luto, algo bastante premonitório em 1941.
			– Porra, já disse, vai jogar ou não vai?
			É claro que eu hesito! Já lancei sete bolinhas e perdi todas. Enquanto ele, Maurice,
			está de bolsos cheios com todas as que ganhou durante o recreio. Mal consegue andar.
			Só me resta minha última bolinha, minha preferida.
			Ele resmunga mais uma vez:
			– Não vou ficar aqui sentado até amanhã...
			Finalmente me decido.
			A bolinha na palma da mão treme um pouco. Jogo de olhos bem abertos. Erro.
			É isso, milagres não acontecem. Agora o jeito é voltar pra casa.
			1 Divisão administrativa de um município ou de uma cidade; pode reunir um ou mais bairros.
			(N.E.)

			O açougue e as fachadas das casas e dos comércios da Rua Marcadet ondulam, como se
			estivessem num aquário. Olho para o lado esquerdo, porque Maurice está à minha direita.
			Assim, não vai me ver chorar.
			– Para de choramingar – ele diz.
			– Não estou choramingando.
			– Quando olha para o outro lado, sei que está choramingando.
			Enxugo o rosto com a manga do uniforme e, em vez de responder, acelero o passo.
			Vamos levar uma bronca: já devíamos ter voltado pra casa há mais de meia hora.
			Chegamos: logo adiante, na Rua de Clignancourt, fica o salão, com as grandes letras
			pintadas na fachada, bem desenhadas como as da professora: “Salão Joffo – Cabeleireiro”.
			Maurice me dá uma cotoveladinha.
			– Toma, seu bobo.
			Olho pra ele e pego a bolinha que está me devolvendo.
			Um irmão é alguém que devolve a última bolinha que acabou de ganhar de você.
			Recupero meu planeta em miniatura; amanhã, no recreio, vou ganhar um monte de
			bolinhas graças a ela e tirar todas dele. Não é porque tem dois anos a mais do que eu que
			vou deixar ele ficar se achando!
			Afinal, já tenho 10.
			Assim que entramos no salão, os cheiros me invadem.
			Cada infância tem seus cheiros, e eu tive direito a todos os perfumes, da lavanda à
			violeta. Revejo os frascos sobre as estantes, o cheiro de lavado das toalhas, e volto a ouvir
			o barulhinho das tesouras, que foi minha primeira música.
			É a hora de pico, o salão está cheio, todas as poltronas ocupadas. Quando passo, Duvallier
			puxa minha orelha, como sempre. Tenho a impressão de que ele passava a vida inteira no
			salão, devia gostar do ambiente, das conversas... Dá pra compreender: velho e viúvo, ficar
			no seu apartamentozinho da Rua Simart devia ser horrível, por isso descia a rua e passava
			a tarde entre os judeus, sempre na mesma poltrona, perto dos cabides onde os fregueses
			deixavam seus casacos. Quando todos já tinham ido embora, se levantava, se instalava e
			dizia: “A barba”.
			Era meu pai quem o barbeava. O senhor das belas histórias, o rei da rua, meu grande herói.
			Fizemos os deveres de casa. Eu não tinha relógio naquela época, mas aposto que não
			levava mais de 45 segundos. Sempre soube minhas lições antes de aprendê-las. Enrolamos
			um pouco no quarto, para que minha mãe ou um de nossos irmãos mais velhos não nos
			mandassem de volta para as tarefas, e depois saímos.
			Albert estava suando pra fazer um corte americano num grandalhão crespo; mesmo
			assim se virou pra nós.
			– Já terminaram os deveres?
			Papai também olhou pra nós, mas aproveitamos que estava dando o troco para um
			cliente no caixa e escapamos pra rua.
			Aquele era nosso momento de glória.
			Porta de Clignancourt, 1941.
			Era um lugar perfeito para crianças. Hoje em dia, fico surpreso com os “espaços para
			crianças” de que os arquitetos falam. Nos novos prédios há parques com caixas de areia,
			escorregadores, balanços, um monte de coisas. Tudo concebido expressamente pra divertir
			as crianças por especialistas com 300 mil diplomas em psicologia infantil.
			E não funciona. As crianças se entediam, domingo e a semana inteira.
			Então me pergunto se esses especialistas não deveriam investigar por que a gente era
			feliz naquele bairro de Paris. Uma Paris cinzenta, com os letreiros luminosos das lojas,

			os telhados altos com faixas de céu por cima, as calçadas cheias de lixeiras pra escalar,
			pórticos pra se esconder, campainhas pra tocar e sair correndo. Tinha de tudo, zeladoras
			que surgiam de repente, carroças, a florista, as mesas do lado de fora dos cafés durante o
			verão. Um verdadeiro labirinto, uma imensidão de ruas entrecruzadas a perder de vista...
			Saíamos pra descobrir o mundo. Lembro que uma vez encontramos um rio: ele surgiu
			aos nossos pés na esquina de uma rua suja. Nos sentimos exploradores. Soube muito
			tempo depois que aquele era o Canal do Ourcq. Ficamos vendo as rolhas passando e as
			manchas coloridas de gasóleo até o anoitecer.
			– Vamos nessa?
			Quase sempre é o Maurice que propõe.
			Quando vou responder, meus olhos são atraídos por alguma coisa lá no alto da avenida.
			E eu os vi chegar.
			Devo reconhecer que eram bastante vistosos. Eram dois, vestidos de preto, altos, com
			seus grossos cintos. Usavam botas altas que deviam passar o dia inteiro lustrando para que
			brilhassem daquele jeito.
			Maurice se virou pra mim e murmurou:
			– São S.S.
			Ficamos olhando eles avançarem. Não iam rápido, seu andar era lento e duro, como
			se estivessem numa praça imensa, repleta de cornetas e tambores.
			– Quer apostar que estão vindo cortar o cabelo?
			Acho que tivemos então o mesmo pensamento, ao mesmo tempo.
			Grudamo-nos na vidraça do salão como se fôssemos siameses e vimos os dois alemães
			entrarem.
			E foi então que começamos a rir.
			Escondido por nossos corpos havia um pequeno aviso em fundo amarelo e letras pretas:
			“Yiddish Gescheft”
			[Estabelecimento judeu]
			No salão se fez o silêncio mais profundo que provavelmente já houve num salão de
			cabeleireiro. Os dois S.S., com suas caveiras, esperavam em meio aos fregueses judeus pra
			confiar suas cabeças a meu pai judeu ou a meus irmãos judeus.
			Do lado de fora, dois judeuzinhos riam pra valer.
			II
			Henri limpa a nuca de Bibi Cohen, que deixa a poltrona e se dirige ao caixa. Eu e
			Maurice continuamos ali, atentos ao que vai acontecer.
			Sinto um frio na barriga: a situação é no mínimo bizarra. O que esses dois estão fazendo
			no coração da colônia judaica?
			Henri se vira para um dos alemães.
			– Senhor, é sua vez.
			O S.S. se levanta e se instala na poltrona com o quepe nos joelhos. Olha-se no espelho
			como se seu rosto fosse um objeto sem interesse, ou mesmo um pouco repugnante.
			– Acima da orelha?
			– Isso, e bem reto, por favor.
			Quase sufoco atrás da máquina registradora. Um alemão que fala francês! E bem, ainda
			por cima, melhor do que muitos moradores do bairro.

			Observo-o. Tem um coldre pequeno, reluzente, dá pra ver a coronha da pistola. Daqui
			a pouco vai compreender onde está, vai sacá-la, gritar como um louco e massacrar
			todos, inclusive minha mãe, que está lá em cima cozinhando e nem sonha que há dois
			nazistas no salão.
			Duvallier lê o jornal no seu lugar cativo. Ao seu lado está Crémieux, um vizinho
			que trabalha numa seguradora e que trouxe seu filho para o corte mensal. Conheço o
			moleque, ele estuda na minha escola e a gente brinca no recreio. Está completamente
			imóvel. Já é pequeno, mas parece querer ficar ainda menor.
			Não lembro quem mais estava lá. Devia conhecer todo mundo, mas esqueci, sentia
			cada vez mais medo.
			Só sei de uma coisa: foi Albert que abriu fogo enquanto borrifava loção nos cabelos
			ondulados de seu cliente.
			– Dureza essa guerra, não é?
			O S.S. tem um sobressalto. Devia ser a primeira vez que um francês puxava conversa
			com ele, e não perdeu a oportunidade:
			– De fato, não é moleza...
			Continuaram conversando. Os outros foram se metendo, o ambiente foi ficando
			amistoso. O alemão traduzia para seu colega, que não compreendia e participava do bate-
			-papo balançando a cabeça, para o desespero de Henri. Uma tesourada em falso no grande
			senhor da raça germânica... A situação já estava bastante complicada do jeito que estava.
			Via meu pai se aplicando, de língua de fora, e já sentia na bunda a surra que estava por
			vir. Nem bem os dois alemães tivessem saído, eu estaria nos joelhos de Albert, e Maurice
			nos de Henri, e só parariam de bater na hora em que suas mãos começassem a doer.
			– Sua vez, por favor.
			Foi meu pai quem pegou o segundo.
			Não pude deixar de rir, apesar de todo o medo, quando Samuel entrou.
			Costumava passar ali no fim da tarde, pra cumprimentar os amigos. Era vendedor de
			tralhas no mercado de pulgas a 200 metros dali, especialista em relógios velhos. Mas havia
			de tudo em seu estande. Eu e Maurice gostávamos de fuçá-lo...
			Entrou todo contente.
			– Boa tarde a todos.
			Meu pai estava com a toalha na mão e a desdobrou com um gesto rápido antes de
			colocá-la no pescoço do S.S.
			Assim que Samuel viu os uniformes, seus olhos ficaram mais redondos e três vezes
			maiores que minhas bolinhas de gude.
			– Oh, oh – ele disse –, oh, oh, oh...
			– Sim – disse Albert –, tem bastante gente.
			Samuel alisou o bigode.
			– Não tem problema – disse –, voltarei quando estiver mais calmo.
			– Claro, mande cumprimentos à sua esposa.
			Samuel continuava imóvel, estupefato, olhando para aqueles estranhos clientes.
			– Pode deixar – murmurou –, pode deixar.
			Ficou parado mais alguns segundos e saiu, pisando em ovos.
			Trinta segundos depois, da Rua Eugène Sue aos confins de Saint-Ouen, do fundo
			dos restaurantes judeus ao fundo dos açougues kosher, todo mundo sabia que o seu Joffo
			tinha se tornado o cabeleireiro oficial dos soldados alemães.
			A notícia do século.
			No salão, o papo continuava, cada vez mais amistoso. Papai estava exagerando.

			Pelo espelho, o S.S. nos avistou.
			– São seus filhos?
			Papai sorriu.
			– Sim, dois pequenos delinquentes.
			O S.S. balançou a cabeça, enternecido. É engraçado pensar que um S.S. pudesse se
			enternecer, em 1941, com duas crianças judias.
			– Ah – ele disse –, a guerra é terrível, mas a culpa é dos judeus.
			As tesouras não pararam; chegou a hora de passar a navalha.
			– Acha mesmo?
			O alemão sacudiu a cabeça com uma segurança visivelmente inabalável.
			– Acho não, tenho certeza.
			Meu pai deu as duas últimas tesouradas nas têmporas, com um olho fechado, como
			um artista.
			Um movimento com o punho pra tirar a toalha e o espelho pra conferência final.
			O S.S. sorriu satisfeito.
			– Muito bom, obrigado.
			Os dois se aproximaram do caixa pra pagar.
			Meu pai foi para trás do caixa, a fim de dar o troco. Apertado contra ele, via seu rosto
			lá no alto, muito sorridente.
			Os dois soldados recolocavam seus quepes.
			– Ficaram satisfeitos? Foram bem atendidos?
			– Muito bem, tudo excelente.
			– Que bom – disse meu pai. – Mas, antes de partirem, devo lhes dizer que todos que
			estão aqui são judeus.
			Ele tinha feito teatro na juventude. À noite, quando nos contava histórias, fazia mímicas
			com gestos largos, à maneira de Stanislavski. Mas nenhum ator no palco poderia ser mais
			majestoso do que o bom e velho Joffo atrás de seu caixa naquele momento.
			No salão, o tempo parecia ter parado. Então, Crémieux foi o primeiro a se levantar, segurando
			com força a mão do filho, que também se levantou. Os outros imitaram o exemplo.
			Duvallier não disse nada. Largou o jornal, guardou seu cachimbo, e François Duvallier,
			filho de Jacques Duvallier e de Noémie Machegrain, batizado em Saint-Eustache e católico
			praticante, também se levantou. Estávamos todos de pé.
			O S.S. não se irritou. Seus lábios de repente me pareceram mais finos.
			– Estava me referindo aos judeus ricos.
			A moeda tilintou sobre a placa de vidro do balcão e se ouviu um barulho de botas.
			Já deviam estar no fim da rua e continuávamos paralisados, petrificados. Por um instante,
			tive a impressão de que, como nos contos de fada, uma bruxa má tinha nos transformado
			em estátuas de pedra e que jamais voltaríamos à vida normal.
			Quando o feitiço se rompeu e todos foram se recompondo lentamente, soube que
			escaparia das palmadas aquela noite.
			Antes de retomar seu trabalho, meu pai passou a mão na cabeça de Maurice e na minha,
			e eu fechei os olhos para que meu irmão não pudesse dizer que tinha me visto chorar duas
			vezes no mesmo dia.
			– Calem a boca, vocês!
			Minha mãe grita por trás da divisória.
			Como toda noite, vem verificar nossos dentes, nossas orelhas e nossas unhas. Dá um
			tapinha no travesseiro para alisá-lo, nos cobre, nos beija e sai do quarto. Mal a porta se

			fecha, meu travesseiro voa através do quarto escuro e atinge Maurice, que me xinga dos
			piores palavrões.
			Brigamos diariamente, sobretudo à noite, tentando fazer o mínimo de barulho possível.
			Geralmente sou eu que ataco primeiro.
			Aguço os ouvidos. Escuto o roçar dos lençóis à minha direita: Maurice levantou da
			cama. Sei disso por causa do barulho das molas do colchão. Nesse instante, deve estar se
			preparando pra saltar sobre mim. Enrijeço meus músculos, ofegante de terror e de alegria.
			Estou preparado para uma violenta batalha e...
			A luz se acende.
			Maurice volta num salto pra sua cama e eu me esforço pra parecer em repouso total.
			Papai está ali.
			Inútil fingir. Ele nunca se deixa enganar por nossos truques.
			– Continuação da história – anuncia.
			Aquilo é formidável, a melhor coisa que pode acontecer.
			De todas as minhas recordações de infância, um tanto curta, como o leitor poderá
			constatar, essa é uma das melhores.
			Algumas noites ele entrava no quarto, se sentava na minha cama ou na de Maurice e
			começava a nos contar as histórias do nosso avô.
			Crianças gostam de histórias, os adultos as leem para elas, as inventam, mas pra mim
			foi diferente. O herói era o meu avô, que eu podia ver todo dia pendurado no salão num
			retrato oval. O rosto severo e bigodudo tinha se tornado, com o tempo, cor-de-rosa
			desbotado. Dava pra adivinhar sob o terno bem cortado uma musculatura acentuada pela
			pose encurvada imposta pelo fotógrafo. Estava apoiado no dorso de uma cadeira que
			parecia ridiculamente frágil, prestes a desabar sob o peso do gigante.
			Dessas histórias, guardo a recordação confusa de uma série de aventuras encaixadas
			umas nas outras como bonecas russas, em cenários de desertos brancos de neve e ruas
			tortuosas no meio de cidades repletas de campanários dourados.
			Meu avô tinha 12 filhos, era um homem rico e generoso, conhecido e estimado pelos
			habitantes da cidade de Elisabethgrado, ao sul de Odessa, na Bessarábia russa.
			Vivia feliz e reinava sobre sua tribo até a época em que começaram os pogroms, as
			agressões às minorias judaicas.
			Essas narrativas embalaram minha infância. Eu via as coronhas dos fuzis arrombando
			portas, quebrando vidraças, a fuga desvairada dos camponeses, as cabanas incendiadas. Refletiam-
			se nos meus olhos turbilhões de lâminas de sabre, cavalos que corriam até morrer,
			brilhos de esporas e, por cima de tudo, destacando-se do meio da fumaça, a figura gigantesca
			de meu antepassado, Jacob Joffo.
			Meu avô não era homem de deixar seus amigos serem massacrados sem fazer nada.
			À noite, tirava seu belo roupão estampado, descia até o porão e, à luz de um pequeno
			lampião, vestia botas e roupas de camponês. Cuspia na palma das mãos, esfregava-as na
			parede e as passava sobre o rosto. Enegrecido de poeira e fuligem, partia então noite adentro,
			em direção ao bairro dos quartéis e das tabernas frequentadas por soldados. Espreitava
			na sombra e, quando via um grupo de três ou quatro, sem a menor precipitação nervosa,
			com a alma pura do justo, matava-os batendo suas cabeças contra a parede e voltava pra
			casa, satisfeito, cantarolando uma melodia em ídiche.
			Só que os massacres se intensificaram, e meu avô, compreendendo que suas excursões
			vingativas eram inúteis, acabou desistindo. Convocou a família e anunciou com tristeza que era
			impossível pra ele, sozinho, acabar com os três batalhões que o tzar tinha enviado pra região.
			Era preciso fugir, e rápido.

			O resto da história é uma corrida tumultuosa e pitoresca através da Europa, passando
			pela Romênia, pela Hungria e pela Alemanha, numa sucessão de noites de tempestade,
			bebedeiras, risadas, lágrimas e mortes.
			Naquela noite, escutamos como sempre fazíamos: de boca aberta.
			O fato de já ter 12 anos não impedia Maurice de ficar fascinado.
			A lâmpada fazia sombras na tapeçaria, e os braços do meu pai se agitavam perto do
			forro. As paredes ficavam povoadas de fugitivos, mulheres aterrorizadas, crianças trêmulas,
			de olhos arregalados. Eles deixavam cidades sombrias e chuvosas de arquiteturas exóticas,
			atravessavam desfiladeiros tortuosos e estepes glaciais, até que um dia transpunham uma
			última fronteira. Então o céu clareava e a procissão descobria uma bela planície ensolarada.
			Pássaros cantavam, havia campos de trigo, árvores e uma cidadezinha de cores claras, casinhas
			com telhados vermelhos, um campanário e velhinhas de coque, sentadas em cadeiras
			de palha, sempre muito amáveis.
			Na fachada da maior casa do vilarejo, lia-se a inscrição: “Liberdade – Igualdade – Fraternidade”.
			Então os fugitivos depunham suas trouxas ou largavam seus carrinhos de mão,
			e o medo deixava seus olhos, pois sabiam que tinham chegado.
			A França.
			Sempre achei o amor dos franceses por seu país meio sem graça. É tão óbvio, tão
			natural. Mas o que sei é que ninguém amou tanto esse país quanto meu pai, nascido a
			oito mil quilômetros daqui.
			Como os filhos dos professores republicanos do início da escola laica, gratuita e obrigatória,
			tive direito desde a mais tenra infância a uma quantidade enorme de discursos-sermões em
			que moral, instrução cívica e amor pela pátria se misturavam até se confundir.
			Nunca passei na frente da prefeitura do distrito XIX sem que meu pai apertasse um
			pouco mais minha mão. Seu queixo apontava para as letras na fachada do edifício, e ele
			perguntava:
			– Você sabe o que essas palavras querem dizer?
			Aprendi a ler bem cedo. Aos 5 anos já era capaz de decifrá-las.
			– É isso, Joseph, é isso. E, enquanto elas estiverem escritas aí, poderemos viver tranquilos
			aqui.
			E é verdade que vivíamos tranquilos, ou, pelo menos, tínhamos vivido. Uma noite,
			à mesa, depois da chegada dos alemães, minha mãe tinha feito a pergunta:
			– Não acha que teremos problemas agora que eles estão aqui?
			Era sabido o que Hitler já tinha feito na Alemanha, na Áustria, na Tchecoslováquia
			e na Polônia. As leis de “purificação” racial estavam sendo aplicadas com todo o rigor
			nesses países. Minha mãe era russa, e também devia sua liberdade a documentos falsos,
			tinha vivido o pesadelo dos pogroms e não era tão otimista quanto meu pai.
			Eu lavava a louça, Maurice enxugava. Albert e Henri limpavam o salão. Dava pra
			ouvir suas risadas através da divisória.
			Meu pai fez seu grande gesto apaziguador, seu gesto de ator da Comédie Française.
			– Não, aqui na França não. Nunca.
			Porém, havia motivos para não ficar tão confiante. Primeiro as novas exigências em
			relação à carteira de identidade, depois aqueles dois sujeitos que colaram o aviso (“Estabelecimento
			judeu”) na vitrine do salão sem nos dirigir a palavra. Lembro bem do mais
			alto, com sua boina e seu bigode. Colocaram o aviso e fugiram como ladrões na noite.
			– Boa noite, meninos.
			Ele fechou a porta. Estamos no escuro, quentinhos debaixo das cobertas. Vozes abafadas
			chegam até nós, depois se calam. É uma noite como todas as outras, uma noite de 1941.

			III
			– Sua vez, Jo.
			Eu me aproximo, com o casaco na mão. São 8 horas da manhã, e lá fora ainda está
			completamente escuro. Minha mãe está sentada atrás da mesa. Tem um dedal, linha preta
			e suas mãos tremem. Apenas os lábios sorriem.
			Viro para o outro lado. Sob o abajur, Maurice está imóvel. Com a palma da mão, alisa
			a estrela amarela costurada em seu casaco:
			JUDEU
			Maurice olha pra mim.
			– Não precisa chorar, você também vai receber sua medalha.
			É claro que vou receber, todo o bairro vai receber. Nessa manhã, quando todos saírem,
			será primavera em pleno inverno, uma floração fora de época: cada um com sua
			margarida na lapela.
			Quem tem uma dessas não tem muito a fazer: não pode mais entrar nos cinemas nem
			nos trens, talvez nem possa mais jogar bolinha de gude, ou talvez perca o direito de ir à
			escola. Pensando bem, até que não seria tão ruim...
			Minha mãe puxa o fio, corta com os dentes rente ao tecido, e pronto: tenho meu
			distintivo. Com dois dedos da mão que acaba de costurar, dá um tapinha na estrela,
			como uma costureira de alta classe que termina um ponto difícil. Aquilo foi mais forte
			que ela.
			Meu pai abre a porta no momento em que visto o casaco. Acaba de se barbear. O cheiro
			de sabonete e de loção entra junto com ele. Olha para as estrelas, depois para a esposa.
			– Pois bem, aí está, aí está... – diz.
			Pego minha mochila, beijo minha mãe. Meu pai põe a mão em meu ombro.
			– Sabe o que tem que fazer agora?
			– Não.
			– Ser o primeiro da classe. Sabe por quê?
			– Sim – reponde Maurice. – Pra esfregar na cara do Hitler.
			Meu pai ri.
			– Acho que se pode dizer assim.
			Fazia muito frio lá fora. Nossas botas estalavam na calçada. Não sei por quê, olhei pra
			trás. Então vi os dois espiando a gente pela janela. Tinham envelhecido um bocado nos
			últimos meses.
			Maurice seguia adiante, soltando ar com força pra fazer fumacinha. As bolinhas tilintavam
			em seus bolsos.
			– Vamos ter que ficar com essa estrela muito tempo?
			Ele para e olha nos meus olhos.
			– E eu lá sei? Por quê? Te incomoda?
			Dou de ombros.
			– Por que me incomodaria? Não pesa nada, não me impede de correr, então...
			Maurice ri com sarcasmo.
			– Então, se não te incomoda, por que tá tapando ela com o cachecol?
			Não dá pra esconder nada desse cara.
			– Não fui eu, foi o vento que tapou.
			Maurice gargalha.

			– Claro, claro, foi o vento.
			Estamos chegando à escola. Já dá pra ver a cerca com os castanheiros, que ficam pretos
			nessa estação. Aliás, os castanheiros da escola da Rua Ferdinand Flocon sempre me
			pareceram pretos, talvez estivessem mortos havia muito tempo, por crescerem no meio
			do asfalto, apertados entre as cercas, isso não é vida pra uma árvore.
			– Ei! Joffo!
			É o Zérati que está me chamando. Meu amigo desde o pré-escolar. Já gastamos juntos
			muitos fundilhos nesses malditos bancos.
			Ele corre pra nos alcançar com o nariz vermelho de frio. Está de luvas, enfiado no
			mesmo capote de sempre.
			– Oi.
			– Oi.
			Ele olha pro meu peito e seus olhos se arregalam. Engulo a saliva.
			Como o silêncio é longo quando a gente é pequeno!
			– Caramba – ele murmura –, que sorte você tem, essa estrela é muito bacana.
			Maurice ri, e eu também. Sinto um alívio danado. Entramos os três juntos no pátio
			da escola.
			Zérati continua admirado.
			– E essa agora, parece uma condecoração. Vocês têm mesmo muita sorte!
			Sinto vontade de dizer que não fiz nada pra merecer aquilo, mas, por outro lado, a
			reação dele me tranquiliza. No fundo, é verdade, é como uma grande medalha. Não
			brilha, mas todo mundo vê.
			Há grupos na parte coberta do pátio. Outros correm ziguezagueando a toda velocidade
			entre os pilares.
			– Ei, galera, vocês viram só o Joffo?
			Não foi por mal. Pelo contrário. Zérati queria me exibir aos olhos dos outros, como
			se eu tivesse mesmo ganhado uma medalha, e ele quisesse que todos soubessem disso.
			Logo se formou um círculo ao meu redor.
			Kraber foi logo rindo, a lâmpada iluminava seu rosto.
			– Você não é o único. Vi alunos de outras séries com isso também.
			Mais atrás, na sombra, aparecem dois outros rostos, nem um pouco sorridentes.
			– Quer dizer que você é judeu?
			Difícil dizer que não quando está escrito bem no nosso peito.
			– A guerra é culpa dos judeus!
			Puxa, isso me lembra alguma coisa, não muito tempo atrás...
			Zérati continua do meu lado. Não deve pesar nem 35 quilos e, nos concursos de
			muque, fica sempre em último: por mais que contraia os músculos, não dá pra ver nada
			no seu braço. No entanto, encara corajosamente o grandalhão:
			– Deixa de ser besta! Agora é culpa do Jo se estamos em guerra?
			– Exatamente! Temos que expulsar os judeus.
			Zum-zum-zum.
			O que está acontecendo? Eu era um menino, com minhas bolinhas de gude, meus
			socos, minhas correrias, minhas brincadeiras, lições de casa, meu pai era cabeleireiro, meus
			irmãos também, minha mãe cozinhava, domingo meu pai nos levava a Longchamp pra ver
			os pangarés e tomar ar, o resto da semana tinha a escola, e pronto. De repente, costuram
			no meu peito uma estrela e viro judeu.
			Judeu. Afinal, o que isso quer dizer? O que é um judeu?
			Começo a ficar com raiva, ainda mais intensa por não entender.

			O círculo se apertou.
			– Viu o narigão dele?
			Na Rua Marcadet tinha um cartaz em cima da loja de sapatos, bem na esquina, um
			grande cartaz colorido. Uma aranha rastejando sobre o globo terrestre, uma grande
			caranguejeira peluda com cara de homem, uma cara feia que só, olhos meio puxados,
			orelhas que mais pareciam couves-flores, grandes beiços e um enorme nariz que parecia a
			lâmina de uma cimitarra. Embaixo estava escrito algo do tipo: “Judeu tentando dominar
			o mundo”. Já tinha passado na frente do cartaz várias vezes, com Maurice. Aquilo não
			nos atingia, de maneira alguma nos identificávamos com aquele monstro! Não éramos
			aranhas nem tínhamos aquela cara – ainda bem; eu era loiro, de olhos azuis e tinha um
			nariz normal. Então era simples: aquele judeu não era eu.
			E eis que de repente aquele imbecil dizia que meu nariz era como o daquele cartaz!
			Tudo isso por causa da maldita estrela.
			– O que que tem meu nariz? Não é o mesmo de ontem?
			O babaca não sabia o que dizer. Ainda estava procurando uma resposta quando tocou
			o sinal.
			Antes de entrar na fila, vi Maurice do outro lado do pátio. Tinha uma dúzia de garotos
			ao redor dele, e a discussão parecia quente. Quando foi pra fila atrás dos outros, estava com
			cara de poucos amigos. Acho que se o sinal não tivesse tocado, a coisa teria ficado feia.
			Enrolei um pouco, ao contrário do que costumava fazer, e fiquei no fim da fila.
			Entramos dois a dois, passando na frente do velho Boulier, e sentei no meu lugar, ao
			lado de Zérati.
			A primeira aula era de geografia. Fazia tempo que o professor não me mandava ao quadro
			de giz, e eu temia que fosse me escolher. Passeou o olhar por nós, como fazia todas as manhãs,
			mas não se deteve em mim. Seus olhos deslizaram e, no final, foi Raffard o escolhido.
			Aquilo me causou uma má impressão: será que eu já não contava mais, tinha deixado de ser
			um aluno como os outros? Algumas horas antes, eu teria adorado ser ignorado, mas agora
			aquilo me incomodava. O que todos tinham contra mim? Ou tentavam quebrar minha
			cara, ou simplesmente faziam de conta que eu não existia.
			– Peguem seus cadernos. Ponham a data na margem e, no centro, o título: “O Vale
			do Ródano”.
			Como os outros, obedeci. Mas continuava encasquetado com o fato de ele não ter me
			escolhido. Precisava tirar aquilo a limpo, precisava saber se eu ainda existia ou se tinha
			ficado invisível.
			O velho Boulier tinha uma mania: o silêncio. Gostava sempre de escutar as moscas
			voando. Quando ouvia uma conversinha, uma caneta caindo ou qualquer outra coisa,
			já ia logo apontando para o culpado e a sentença vinha na mesma hora: “Vai passar o
			recreio escrevendo a frase fazer menos barulho de agora em diante no pretérito perfeito, no
			mais-que-perfeito e no futuro do pretérito”.
			Coloquei meu quadro de giz individual no cantinho da mesa. Era um quadro de verdade,
			o que era raro na época. A maioria dos meus colegas tinha uma espécie de retângulo
			de cartolina preta que não podia molhar e sobre o qual era ruim escrever.
			O meu era um de verdade, com moldura de madeira e um furo pra passar a cordinha
			em que ficava pendurado o apagador.
			Com a ponta do dedo, empurrei. Ele oscilou por um momento e caiu.
			CLANG.
			O professor estava escrevendo no quadro e se virou.
			Olhou pro quadro no chão e depois pra mim. Todos os outros observavam a cena.

			É raro um aluno querer ser castigado. Talvez nunca tenha acontecido. Pois bem, naquela
			manhã, eu teria dado tudo para o professor apontar pra mim e dizer: “Vai ficar de castigo até
			o fim da tarde”. Teria sido a prova de que nada tinha mudado, de que eu continuava sendo
			o mesmo, um aluno como os outros, que pode ser parabenizado, castigado ou interrogado.
			O velho Boulier olhou mais um pouco pra mim e, em seguida, seu olhar ficou vazio,
			completamente vazio, como se todos os seus pensamentos tivessem saído voando de
			repente. Lentamente, pegou a grande régua na mesa e colocou sua ponta no mapa da
			França pendurado na parede. Mostrou uma linha que descia de Lyon até Avignon e disse:
			– O Vale do Ródano separa as montanhas antigas do Maciço Central das montanhas
			mais novas...
			A lição tinha começado, e compreendi que, pra mim, a escola tinha acabado.
			Escrevi o resumo maquinalmente até que ouvi o sinal do recreio.
			Zérati me deu uma cutucada.
			– Vamos logo!
			Saí da sala e, assim que cheguei ao pátio, foi aquele bafafá.
			– Judeu! Judeu! Judeu!
			Meus colegas dançavam formando um círculo ao meu redor. Alguém me empurrou
			pelas costas e fui esbarrar no peito de um outro; um novo empurrão e fui pra trás, consegui
			não cair e dei um jeito de sair da roda. Vi Maurice brigando a 20 metros dali. Houve
			gritos, e agarrei alguém ao acaso.
			– Judeu! Judeu! Judeu!
			Enquanto dava um soco, recebi um chute, forte, na coxa. Parecia que a escola toda
			estava caindo em cima de mim, que morreria sufocado debaixo daquela horda.
			Meu uniforme rasgou e levei um safanão na orelha. O apito do inspetor fez tudo parar.
			Ele veio em minha direção, como se estivesse num nevoeiro.
			– O que está acontecendo aqui? Circulando, todo mundo!
			Sentia minha orelha inchar e procurei Maurice. Tinha amarrado seu lenço em volta
			do joelho. O sangue já estava secando em manchas escuras. Não tivemos tempo de conversar,
			estava na hora de voltar para a sala.
			Sentei. À minha frente, acima do quadro de giz, via a cabeça do Marechal Pétain.
			Uma cabeça muito digna, com seu quepe. Embaixo, uma frase seguida de sua assinatura:
			“Mantenho minhas promessas e até as promessas dos outros”. Eu me perguntava a quem
			ele teria prometido que ia colocar uma estrela amarela no meu peito. Pra que servia
			aquilo? E por que os outros queriam me encher de pancada?
			O que ficou gravado em mim daquela manhã, mais do que os socos e chutes, mais do
			que a indiferença dos adultos, foi essa sensação de não conseguir entender. Eu era como os
			outros. Tinha ouvido falar de religiões diferentes e, na escola, aprendi que antigamente as
			pessoas tinham lutado por isso. Mas eu não tinha religião. Nas quintas-feiras, até ia ao centro
			paroquial com a meninada do bairro. A gente jogava basquete atrás da igreja, e o padre nos
			dava um belo lanche: pão preto com chocolate, o chocolate do tempo da ocupação, com
			uma massa branca no meio, viscosa e ligeiramente doce. Às vezes, ele até acrescentava uma
			passa de banana ou uma maçã... Minha mãe gostava que fôssemos lá, preferia isso a nos saber
			correndo pelas ruas, passeando no mercado de pulgas da Porta de Saint-Ouen ou afanando
			madeira nas demolições pra fazer cabanas e espadas.
			Então, qual era a diferença?
			Onze e meia.
			Minha orelha continua doendo. Visto meu casaco e saio. Faz frio. Maurice está me
			esperando. Seu joelho esfolado parou de sangrar.

			Não nos dizemos nada, não vale a pena.
			Juntos, subimos a rua.
			– Jo!
			Alguém vem correndo atrás de mim. É o Zérati.
			Está ofegante. Traz na mão um saquinho de pano fechado com um cadarço. Estende
			o saquinho pra mim.
			– Quero trocar isso com você.
			De início não entendi.
			– Pelo quê?
			Com um gesto eloquente, aponta pro meu peito.
			– Pela estrela, oras.
			Maurice não diz nada. Fica à espera, batendo os pés no chão.
			Decido num impulso.
			– Fechado!
			Está costurada com pontos bem separados e a linha não é forte. Enfio um dedo por
			baixo, outro, e arranco com um puxão.
			– Aqui está.
			Os olhos de Zérati brilham.
			Minha estrela. Por um saco de bolinhas de gude.
			Foi meu primeiro negócio.
			***
			Meu pai pendura seu casaco no gancho atrás da porta da cozinha. Não comemos mais
			na sala de jantar pra economizar o aquecimento.
			Antes de sentar à mesa, ele nos inspeciona. Minha orelha inchada, meu uniforme
			rasgado, o joelho de Maurice e seu olho ligeiramente roxo.
			Mergulha a colher na sopa de massinha, sacode o corpo e força um sorriso que parece
			ter dificuldade em chegar até seus lábios.
			Mastiga, engole com dificuldade e olha pra minha mãe, cujas mãos tremem ao lado
			do prato.
			– Nada de escola esta tarde – decreta.
			Eu e Maurice deixamos nossas colheres caírem. Sou o primeiro a me recuperar.
			– Sério? Mas... e a minha mochila?
			Meu pai faz um gesto negligente.
			– Pode deixar que eu busco, não se preocupe com isso. Estão livres esta tarde, mas
			voltem antes do anoitecer. Tenho algo importante a dizer pra vocês.
			Lembro que fui invadido por uma alegria e um alívio imensos.
			Uma tarde inteirinha pra nós, enquanto os outros teriam de estudar! Bem feito pra eles.
			Tinham nos excluído, agora a gente é que ia se dar bem. Enquanto quebravam a cabeça
			com problemas de matemática e as formas do particípio passado, passearíamos pelas ruas, as
			melhores ruas do mundo, as ruas do nosso reino.
			Subimos correndo os caminhos que levam até a basílica do Sacré-Coeur. Tem umas
			escadarias incríveis ali, com corrimãos feitos sob medida pra que as crianças desçam voando,
			com a bunda ardendo do frio do metal. Tem parques também, árvores, gatos famintos, os
			sobreviventes que ainda não foram transformados em guisado pelas zeladoras dos prédios.
			Atravessamos as ruas vazias, onde rodavam alguns raros táxis a gasogênio e bicicletas. Na
			frente do Sacré-Coeur, avistamos um bando de oficiais alemães, com longos capotes que iam
			até o tornozelo e pequenos punhais presos nos cintos. Estavam rindo e tirando fotos. Fizemos
			um desvio pra evitá-los e voltamos pra casa, correndo um atrás do outro a toda velocidade.

			No Bulevar de Magenta, paramos pra respirar um pouco e sentamos no pórtico de
			um prédio.
			Maurice apalpou o curativo que nossa mãe tinha feito em seu joelho.
			– Vamos fazer um assalto esta noite?
			Faço que sim com a cabeça.
			– Vamos.
			Fazíamos aquilo às vezes. Quando todos já tinham ido dormir, abríamos a porta do
			nosso quarto com precauções infinitas e, depois de uma espiada no corredor, descíamos
			até o salão, de pés descalços, sem fazer os degraus estalarem. É uma questão de prática.
			É preciso tatear um pouco com a ponta do polegar, depois colocar progressivamente a
			planta do pé, sem encostar o calcanhar. Chegando ao salão, contornávamos as poltronas
			e, então, vinha o momento mais impressionante.
			Nenhuma luz penetrava da rua pela porta de ferro baixada. Na escuridão total, meus
			dedos reconheciam o balcão, os pacotes de navalha, a placa de vidro côncava onde meu
			pai colocava o troco, e chegavam à gaveta. Sempre tinha algumas moedas jogadas ali. Nós
			as recolhíamos e voltávamos pro quarto. Durante nossa infância, nunca faltaram gomas de
			alcaçuz, aqueles bastões pretos e borrachentos que colavam nos dentes e nas tripas, causando
			terríveis prisões de ventre.
			Está combinado, por mais uma noite seremos ladrões.
			Durante aquelas horas de vagabundagem, esquecemos tudo dos acontecimentos da
			manhã. Adorávamos vadiar pela cidade fumando cigarros de eucalipto.
			Aquilo tinha sido um achado. Numa França sem tabaco, onde todos tinham de
			enfrentar as restrições do racionamento, eu entrava numa farmácia e lançava um olhar
			tristonho para o boticário.
			– Bom dia, preciso de cigarros de eucalipto, meu vô é asmático.
			Às vezes, tinha de contar uma longa história, mas geralmente funcionava. Saía triunfante
			com meu maço e o abríamos 10 metros mais adiante. Então, com o pito na boca, de mãos
			nos bolsos, em meio a nuvens de fumaça perfumada, passeávamos como imperadores sob
			os olhares furibundos dos adultos em abstinência. Volta e meia oferecíamos a Duvallier, a
			Bibi Cohen e aos vendedores de tralhas do bairro. Eles aceitavam, mas, ao primeiro trago,
			reclamavam, sentindo falta do seu costumeiro tabaco cinza. Na verdade, era mesmo um nojo.
			Talvez tenha sido graças a esses falsos cigarros que nunca me tornei um verdadeiro fumante.
			Quando estávamos na parte mais alta do parque, Maurice disse de repente:
			– Hora de entrar, tá ficando de noite.
			Era verdade. Atrás da catedral, começavam a surgir as primeiras brumas do anoitecer.
			Lá embaixo, a cidade se estendia, cinzenta, como os cabelos de um homem que envelhece.
			Olhamos a cidade por um momento, sem dizer nada. Gostava daqueles telhados, dos
			monumentos que iam se apagando ao longe. Ainda não sabia que não voltaria a ver aquela
			paisagem tão familiar. Não sabia que dali a algumas horas deixaria de ser uma criança.
			Rua de Clignancourt. O salão estava fechado. Muitos de nossos amigos tinham partido
			nos últimos tempos. Meu pai e minha mãe conversavam entre si, e eu ouvia alguns
			nomes entre seus cochichos. Eram pessoas próximas, que vinham ao salão, com as quais
			nos encontrávamos à noite para o café. Quase todos tinham partido.
			Havia outras palavras recorrentes: Ausweiss (carteira de identidade), Kommandantur (o
			comando alemão em Paris), linha de demarcação... Alguns nomes de cidade também:
			Marselha, Nice, Casablanca.
			Meus irmãos tinham partido no começo do ano. Eu não tinha entendido bem por
			quê. E os cortes de cabelo se tornavam cada vez mais raros.

			Às vezes, no salão que antes vivia lotado, encontrava apenas o eterno Duvallier,
			sempre fiel.
			Mas era a primeira vez que meu pai tinha fechado a porta de ferro em pleno dia de semana.
			Antes mesmo de subirmos as escadas, ouvimos sua voz, vindo do nosso quarto.
			Estava deitado na cama do Maurice, com as mãos debaixo da nuca, e olhava para nosso
			reino como se tentasse vê-lo pelos nossos olhos.
			Ao entrarmos, se sentou.
			Eu e Maurice nos instalamos na minha cama, de frente pra ele. Começou então um
			longo monólogo que ressoaria muito tempo em meus ouvidos. Aliás, ainda ressoa.
			Nós o escutávamos como nunca tínhamos escutado ninguém.
			– Muitas noites – ele começou –, desde que têm idade pra compreender as coisas,
			contei histórias pra vocês, histórias verdadeiras em que pessoas da nossa família desempenhavam
			um papel. Percebo hoje que nunca falei de mim.
			Sorriu e prosseguiu:
			– Não é uma história muito interessante e não teria fascinado vocês por muitas noites,
			mas vou contar o essencial. Quando era pequeno, bem menor que vocês, eu vivia na
			Rússia, e na Rússia havia um chefe todo-poderoso chamado tzar. Esse tzar era como os
			alemães de hoje, gostava de fazer guerra e tinha imaginado o seguinte esquema: enviava
			emissários...
			Parou e franziu a sobrancelha.
			– Vocês sabem o que são emissários?
			Fiz que sim com a cabeça, embora não tivesse ideia. Mas, de qualquer jeito, sabia que
			coisa boa não era.
			– Pois bem, ele enviava emissários às cidadezinhas, e, lá, eles reuniam meninos como
			eu e os levavam para campos onde se tornavam soldados. Davam-lhes uniformes, ensinavam-
			nos a marchar, a obedecer a ordens sem discutir e a matar inimigos. Então, quando
			atingi a idade em que poderia ser pego por esses emissários, meu pai falou comigo como...
			Sua voz se tornou mais rouca, e ele continuou.
			– Como estou fazendo com vocês hoje.
			Lá fora a noite já tinha caído, eu mal distinguia meu pai à frente da janela, mas nenhum
			de nós três fez um gesto pra iluminar o quarto.
			– Ele me chamou ao quartinho da fazenda onde gostava de se fechar pra refletir e me
			disse: “Filho, você quer ser soldado do tzar?”. Eu disse que não. Sabia que seria maltratado
			e não queria ser um soldado. Todo mundo acha que as crianças sonham ser militares; pois
			bem, nem sempre é verdade. Pelo menos, não no meu caso. Então ele me disse: “Nesse
			caso, você não tem escolha. Já é um homenzinho, vai partir e vai se virar, porque você não
			é tolo”. Eu disse que sim e, depois de beijá-lo e beijar minhas irmãs, parti. Tinha 7 anos.
			Enquanto o ouvia, escutava minha mãe caminhando e botando a mesa. Ao meu lado,
			Maurice parecia ter se transformado numa estátua de pedra.
			– Ganhei minha vida, escapando dos russos, e podem crer que nem sempre foi fácil. Fiz
			de tudo um pouco. Juntei neve por um pedaço de pão com uma pá que era o dobro do
			meu tamanho. Encontrei pessoas boas que me ajudaram, e outras que eram ruins. Aprendi
			a usar tesouras e me tornei cabeleireiro. Andei muito mundo afora. Três dias numa cidade,
			um ano em outra, até que cheguei aqui, e aqui fui feliz. A mãe de vocês tem uma história
			parecida com a minha; tudo isso, no fundo, é muito normal. Nós nos conhecemos em
			Paris, nos apaixonamos, nos casamos, e vocês nasceram. Nada mais simples.
			Fez uma pausa, e eu podia adivinhar que seus dedos brincavam na sombra com as
			franjas da colcha.

			– Montei esse salão, bem pequeno no começo. Todo dinheiro que ganhei foi com
			meu suor...
			Parece que quer continuar, mas para e, de repente, sua voz fica um pouco embargada.
			– Sabem por que estou contando tudo isso?
			Eu sabia, mas hesitava em dizer.
			– Sim – disse Maurice –, porque a gente também vai partir.
			Meu pai respirou fundo.
			– Sim, rapazes, vocês vão partir. Hoje é a vez de vocês.
			Seus braços se moveram num gesto de ternura contida.
			– Vocês sabem por quê: não podem voltar pra casa todos os dias nesse estado. Sei que
			sabem se defender e que não têm medo, mas precisam entender uma coisa: quando não se
			é o mais forte, quando se é apenas dois contra 10, 20 ou 100, a verdadeira coragem é deixar
			o orgulho de lado e dar o fora. E além disso, há algo pior ainda.
			Senti um nó se formar na garganta, mas sabia que não ia chorar. No dia anterior, as
			lágrimas ainda teriam corrido, mas naquele dia era diferente.
			– Vocês notaram que os alemães estão ficando cada vez mais duros com a gente. Já
			teve o recenseamento, o aviso no salão, as revistas, hoje a estrela amarela, amanhã seremos
			presos. Então é preciso fugir.
			Tive um sobressalto.
			– Mas e você e a mamãe?
			Ele fez um gesto tranquilizador:
			– Henri e Albert estão em zona livre. Vocês vão partir esta noite. Sua mãe e eu vamos
			arrumar algumas coisas e logo partiremos.
			Deu uma leve risada e se inclinou pra colocar a mão em nossos ombros.
			– Não se preocupem, os russos não me pegaram quando eu tinha sete anos, não vai
			ser agora, aos 50, que os alemães vão me pegar.
			Fiquei mais tranquilo. Estávamos nos separando, mas íamos nos reencontrar depois da
			guerra, que não duraria pra sempre.
			– Agora – meu pai disse –, vocês vão guardar bem o que vou lhes dizer. Vão partir
			esta noite. Vão pegar o metrô até a estação de Austerlitz, e lá comprarão uma passagem
			para Dax. Em Dax, terão de atravessar a linha. É claro, não terão documentos pra passar,
			terão de se virar. Bem perto de Dax, irão até a cidadezinha de Hagetmau. Lá tem pessoas
			que ajudam a passar a linha. Assim que estiverem do outro lado, estarão salvos. Estarão
			na França livre. Seus irmãos estão em Menton, vou mostrar no mapa onde fica. É bem
			perto da fronteira com a Itália. Vão encontrá-los lá.
			Ouço a voz de Maurice:
			– Mas... e pra pegar o trem?
			– Não se preocupe. Vou dar dinheiro a vocês. Cuidem pra não perder nem deixar
			que roubem. Cada um terá cinco mil francos.
			Cinco mil francos!
			Mesmo nas noites de assaltos mais rentáveis nunca tive mais que 10 francos no bolso!
			Que fortuna!
			Meu pai ainda não terminou. Pelo tom que sua voz assume, sei que agora vem o mais
			importante.
			– Finalmente, precisam saber de uma coisa. Vocês são judeus, mas nunca admitam
			isso. Entenderam?
			NUNCA!
			Ambos fazemos que sim com a cabeça.

			– Não dirão nem mesmo para o melhor amigo de vocês, não sussurrarão isso em voz
			baixa, negarão sempre. Entenderam bem? Sempre negarão. Joseph, venha cá.
			Levanto e me aproximo, embora não o veja.
			– Você é judeu, Joseph?
			– Não.
			Sua mão estalou com toda força na minha cara. Nunca tinha batido em mim antes.
			– Não minta! Você é judeu, Joseph?
			– Não!
			Tinha gritado sem me dar conta, um grito definitivo, firme.
			Meu pai se levantou.
			– É isso. Acho que disse tudo o que tinha pra dizer. Está tudo claro agora.
			Sentia ainda meu rosto arder, mas tinha uma pergunta que não queria calar, desde o
			começo da conversa. Precisava de uma resposta:
			– Pai, eu queria saber: o que é um judeu?
			Dessa vez, meu pai acendeu a luz, o pequeno abajur verde da mesa de cabeceira de
			Maurice. Gostava dele, irradiava uma claridade difusa e confortável, que não veria mais.
			Meu pai coçou a cabeça.
			– Pois bem, Joseph, fico meio sem jeito de te dizer, mas, no fundo, nem eu mesmo
			sei muito bem.
			Olhávamos pra ele. Sentiu que devia continuar, que aquela resposta podia parecer
			uma renúncia aos meninos que éramos.
			– Antes, habitávamos uma região. Fomos expulsos de lá e nos espalhamos por toda
			parte. Mas há períodos, como agora, em que isso volta a acontecer. A perseguição recomeçou,
			por isso é preciso partir novamente e se esconder, até que o caçador se canse.
			Vamos pra mesa, partirão logo depois do jantar.
			Não lembro o que comemos. Guardo apenas sons de colheres batendo nas bordas dos
			pratos, murmúrios de alguém pedindo água ou sal, coisas desse tipo. Numa cadeira de
			palha, perto da porta, estavam nossas bolsas, bem cheias, com roupas, objetos de higiene
			e lenços dobrados.
			Soaram 7 horas no relógio do corredor.
			– Eis aí – disse nosso pai –, têm tudo de que precisam. No bolso com zíper está o
			dinheiro e um papelzinho com o endereço de Henri e Albert. Vou lhes dar bilhetes para
			o metrô; vocês dão um beijo em sua mãe e partem.
			Ela nos ajudou a vestir nossos casacos e nossos cachecóis. Esticou nossas meias. Sorria
			sem parar, e sem parar suas lágrimas escorriam. Senti seu rosto molhado contra minha
			testa. Seus lábios também, úmidos e salgados.
			Meu pai a ergueu e deu a gargalhada mais falsa que já ouvi.
			– O que é isso? Parece até que estão partindo pra sempre e que são bebês recém-nascidos!
			Vamos, deem no pé. Até logo, meninos.
			Um beijo rápido e suas mãos nos empurraram pra escada. A bolsa pesava em meus
			braços. Maurice abriu a porta para a noite.
			Quanto a meus pais, ficaram lá em cima. Soube mais tarde, depois que tudo acabou,
			que meu pai ficou de pé, balançando de um lado para o outro de olhos fechados, como
			que embalando uma dor imemorial.
			Em meio à noite escura, nas ruas desertas, com o toque de recolher prestes a soar,
			desaparecemos nas trevas.
			Nossa infância tinha terminado.

Páginas: 288, Formato: 16 x 23 cm
Acabamento: Brochura

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