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Ensaio "O pintor da vida moderna" no Correio Braziliense

13/01/2011 — Correio Braziliense

O artista extraiu o eterno das cenas triviais da vida moderna.

Caro leitor, hipócrita como eu, meu semelhante, meu irmão, nos dias que correm se confunde facilmente entrar na modernidade com adentrar no shopping center. Mas, embora a palavra modernidade derive de moda em francês (mode, modernitè), ela nasceu como um movimento de insurreição, formulado pelo poeta francês Charles Baudelaire, o autor de Flores do mal. Com radares poderosos de poeta, ele intuiu que a civilização burguesa, a era industrial e a velocidade do nascente mundo urbano do século 19 insinuavam uma nova estética, uma beleza da circunstância, da fugacidade e do efêmero, que o próprio Baudelaire cantou magnificamente em seus poemas.

O ponto de partida para esse novo olhar sobre o belo foram os desenhos de Constantine Guys, um pintor anônimo e desprezado pelos seus contemporâneos. No ensaio O pintor da vida moderna (Ed. Autêntica), que chega em edição primorosa, publicado pela primeira vez no Brasil com as ilustrações de Constantine Guys, Baudelaire expõe a sua concepção de beleza, com elegância, fluência e brilho. Além disso, o volume traz o conto “O homem da multidão”, de Edgar Allan Poe, e um estudo do crítico francês Jérôme Dufilho sobre as relações entre Baudelaire e Guys.

Na verdade, Constanine Guys nem sequer se considerava um artista. Ele era um repórter-artista e diretor da edição francesa do jornal Illustrated London News. Baudelaire sente a tentação de aproximar a figura do repórter-artista à imagem do dândi, o aristocrata do espírito, que o próprio poeta era, em permanente guerra contra a banalidade cotidiana. No entanto, logo Baudelaire abandona a pretensão, reconhecendo que Guys nada tem da fleuma do dândi, embora também seja um inconformista.

O que desenhava Guys? Cenas de costumes, moda, passeios em carruagens, pompas militares, flagrantes da guerra ou de prostitutas em lugares soturnos. Nos croquis dessa arte aparentemente menor, realizada com imaginação, espírito de síntese e graça, Baudelaire vislumbrou o nascimento de uma nova concepção de beleza, fugaz, precária e instável, que rompia com a beleza dos deuses da era clássica. A pressa e a urgência do ofício de Guys não depreciavam o seu trabalho. Pelo contrário: a Baudelaire parece que esse ritmo é o ideal para captar a beleza moderna: “Quanto mais beleza imprimir-lhe o artista, mais a obra será preciosa; mas há, na vida ordinária, na metamorfose cotidiana das coisas exteriores, um movimento rápido que exige do artista igual velocidade de execução”.

Estética feminina
A pintura clássica é, em grande parte, inspirada na mitologia ou nas narrativas bíblicas. É uma beleza dos deuses, que já nasce com a pretensão de ser eterna. Contudo, Baudelaire mostrou que era possível arrancar o eterno também do precário, do evanescente, do banal e do circunstancial. Ao refletir sobre o moderno, Baudelaire aproveita para reformular toda a teoria do belo. Para ele, a beleza da arte é constituída de um elemento eterno, invariável, cuja quantidade é muito difícil de ser determinada, e de um elemento relativo, circunstancial: a moda, a paixão ou a moral: “Considerem, se lhes agrada, a porção eternamente subsistente como a alma da arte, e o elemento variável como o seu corpo. (…) A modernidade é o transitório, o fugidio, o contingente, a metade da arte, cuja outra metade é o eterno e o imutável”.

Baudelaire faz o elogio do artificial contra o natural, exaltando a maquiagem, os vestidos e os adereços como uma espécie de segunda pele das mulheres, indivisível e inseparável. Em sua argumentação, tudo o que é belo e nobre é resultado da razão e do cálculo. Em suma, a virtude seria artificial enquanto o mal floresceria sem esforço e quase que naturalmente. Baudelaire transpõe esta lógica para a estética feminina: “A mulher tem todo o direito de se dedicar a parecer mágica e sobrenatural, o que constitui, inclusive, o cumprimento de uma espécie de dever; é preciso que ela surpreenda, que ela cative; ídolo, ela deve dourar-se para ser adorada. Deve, pois, tomar de empréstimo de todas as artes os meios que lhe permitam pairar acima da natureza para melhor subjugar os corações e impressionar os espíritos”. Com Baudelaire, a beleza desceu o Olimpo dos deuses e passou a habitar o território trivial do cotidiano e o corpo precário dos mortais.

Crítico inovador
Charles Baudelaire (1821-1867) é um dos mais importantes poetas do simbolismo. Ele queria criar uma poesia das sensações, que misturasse os perfumes, os sons e as cores. O seu livro de poemas As flores do mal provocou escândalo na França do século 19 ao realizar uma desconcertante mixagem entre uma dicção elegante e a visão crua do lado negro e caótico da cidade moderna. Além de poeta inovador, Baudelaire se destacou na condição de crítico de artes arguto, chamando a atenção para artistas nem sempre valorizados em sua época.

TRECHO
O pintor da vida moderna

“Tudo o que é belo e nobre é o resultado da razão e do cálculo. O crime, cujo gosto o animal humano adquiriu no ventre de sua mãe, é de origem natural. A virtude, ao contrário, é artificial, sobrenatural, pois foram necessários, em todos os tempos e em todas as nações, deuses e profetas para ensiná-la à humanidade animalizada; virtude que o homem, sozinho, for a incapaz de descobrir.

O mal faz-se sem esforço, naturalmente, e por fatalidade; o bem é sempre o produto de uma arte. Tudo quanto digo a respeito da natureza, como má conselheira em matéria de moral, e da razão, como verdadeiramente redentora e reformadora, pode ser transposto para a ordem do belo. Sou, assim, levado a ver os adereços como uma das marcas da nobreza primitiva da alma humana.”

POEMA

A uma passante
Charles Baudelaire

A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
Erguendo e balançando a barra alva da saia;

Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.
Eu bebia, como um basbaque extravagante,
No tempestuoso céu do seu olhar distante,
A doçura que encanta e o prazer que assassina.

Brilho… e a noite depois! %u2013 Fugitiva beldade
De um olhar que me fez nascer segunda vez,
Não mais te hei de rever senão na eternidade?

Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!
Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,
Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste!

Tradução de Guilherme de Almeida

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