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A Beleza do Envelhecer: caminhos possíveis

01/06/2007 — Pedro Paulo Monteiro

Temos a possibilidade de ser belos, porque beleza é plenitude. Viver plenamente é alcançar a beleza. Não raro, muitos fazem escolhas que minimizam suas potencialidades, buscam desvios sendo desonestos consigo mesmo. As pessoas fracionam a vida, sabotando a própria trajetória.

A vida é o enigma, é a alternativa num mar de opções. Somos fadados às escolhas. Temos vários caminhos em uma única jornada. Como bem escreve Walt Whitman: “A pé e despreocupado, entrego-me à estrada aberta, saudável, livre, o mundo diante de mim, o longo caminho dourado à minha frente levando-me aonde quer que eu escolha”.

Somos constantemente desafiados pela vida. Viver é escolher. Cada escolha uma mudança de rumo. Atingimos a cada instante pontos de bifurcação. Nossas células chegam ao seu ápice e deixam de ser. Isto é, nossas células estão morrendo agora. Somos constituídos de processos de vida e de morte. como bem dizia o filósofo Heráclito (7séc. a C) “Se vive da morte, morre-se da vida”. Vivemos porque as nossas células morrem. Quando elas não morrem ficam diferenciadas dando origem ao câncer. Em suma, a morte é também uma oportunidade de sobrevivência dos sistemas auto-organizadores.

A vida é dinâmica e, portanto, um processo contínuo de mudança. Por isso envelhecemos. Envelhecer é viver, viver é envelhecer. São faces da mesma moeda. Não podemos pensar na vida sem pensar no envelhecimento

Muitas pessoas costumam achar que as palavras “envelhecimento” e “velhice” querem dizer a mesma coisa. Elas possuem significados diferentes. Se envelhecer é um processo de viver, todos nós, independentes da idade cronológica, estamos envelhecendo. A velhice, por outro lado, é uma categoria social, circunscrita às pessoas acima de 60 anos em nosso país. Em países desenvolvidos a velhice é atingida aos 65 anos. Então, podemos afirmar que todos nós envelhecemos, porém nem todos chegam à velhice. Se isso é bom ou ruim, é somente um ponto de vista. Quem considera o envelhecimento ruim acredita numa vida sem possibilidades. Acreditar é também optar. Podemos optar em achar a vida feia ou bela.

O pensamento discrimina. Optamos por um caminho e eliminamos o outro. Não aceitamos conviver com duas possibilidades, pois gera ambigüidades, confusão, desordem. Queremos a ordem, por isso classificamos, valoramos, discriminamos. Assim, achamos que temos controle sobre as situações da vida. Sentimo-nos seguros.

Como podemos pensar que a vida é segura se vivemos porque somos seres instáveis, em desequilíbrio? A ciência contemporânea já comprovou que vivemos porque estamos afastados do equilíbrio termodinâmico (Margulis e Sagan, 2002). Isso é viver. A incerteza nos convida a ir adiante, e esse movimento anterior nos faz envelhecer.

Mesmo com tantos avanços tecnológicos e importantes descobertas científicas ainda estamos fixos no pensamento cartesiano do corpo-máquina, e do tempo linear newtoniano. Ainda acreditamos que só podemos optar por uma alternativa quando eliminamos a outra. Será que não podemos ver as duas faces da mesma moeda? Infelizmente não, porque não aprendemos a ver desse modo. Porém, o cérebro é um órgão plástico, capaz de desaprender e aprender novas maneiras de se ver a vida. Vê-la com mais responsabilidade e autenticidade.

Ilya Prigogine (2002) cita um trecho interessante de uma carta de Einstein a Tagore:

“Se perguntássemos à Lua por que ela se move, ela responderia sem dúvida que se move porque tomou essa decisão. E isso nos faz sorrir. Mas deveríamos igualmente sorrir da idéia segundo a qual o homem é livre, porque o determinismo não tem nenhuma razão para se deter na fronteira do cérebro” (pág. 21).

A escolha nos faz caminhar em sentidos diferentes. Quem conseguir compreender o envelhecimento como processo dinâmico da vida se libertará das amarras de 3 séculos de segurança ilusória. Não podemos continuar acreditando que viveremos para sempre. Por esse motivo, muitos não aceitam olhar para os mais velhos sem se sentirem ameaçados pelos cabelos brancos que lembrem a certeza da finitude. Costumamos ouvir: “na morte não há beleza”. Por isso, talvez, as pessoas continuam correndo atrás de fórmulas milagrosas que impeçam a chegada à velhice.

A velhice é uma categoria social e como tal é uma construção cultural. Somos produtos e produtores de uma cultura. Se o humano pôde construir essa cultura, pode também renová-la. Para isso basta querer optar por uma nova alternativa, sem eliminar o outro lado da moeda. Está no diálogo entre paradigmas a possibilidade da mudança. Sem o diálogo caímos no monólogo dissecante que elimina a chance do conhecer.

A racionalização resiste ao que não condiz com o aprendido. Acredita-se no que convém, superficialmente, sem reflexões sensatas. Quando se resiste a um novo modo de pensar não se aprende nada, apenas se repete o que é dito. Para que haja aprendizado tem de haver abertura. Como bem escreve T.H.Huxley: “Curve-se diante dos fatos como uma criança e prepare-se para sacrificar todas as noções preconcebidas, siga humilde por toda parte e por todos os abismos a que a natureza o levar, ou você não aprenderá nada”.

O mundo por muito tempo foi considerado finito. Várias expedições buscavam um fim, sem sucesso. Finalmente, compreenderam que o planeta era redondo. Atualmente ainda buscamos compreender o universo. Muitos querem um lugar seguro, mas viver é não ter certeza, é ser instável e mutável. Na vida não há receita de equilíbrio. Caminhamos para chegar onde sempre estivemos. Como bem escreve T.S.Eliot: “Não devemos parar de explorar. E o fim de toda nossa exploração será chegar ao ponto de partida e ver o lugar pela primeira vez”.

Quando converso com as pessoas de 80, 90, 100 anos percebo que elas compreendem que dentro delas há todos os tempos, um tempo Kairós, ou seja, o tempo vivido. Quanto mais velhos nos tornamos mais compreensão alcançamos acerca disso. Não se pára o tempo como se estanca um sangramento. O tempo é fugidio.

A ontogênese nos ensina que a experiência do viver é uma oportunidade de aprender algo a fim de deixá-lo aos mais novos, para que continue o nosso legado. Eles, por sua vez, deixarão também para os seus jovens o próprio legado, e assim sucessivamente. É na circularidade da vida que encontramos a beleza da plenitude.

Viver sem perecer seria uma catástrofe para a evolução humana. Não fecharíamos o ciclo, ficaríamos perdidos no limbo do egocentrismo e da solidão. Enquanto as pessoas não aceitarem seus ciclos de envelhecimento e morte continuarão a sofrer. Muitos não aceitam o envelhecimento e a morte porque não querem desapegar-se de seus “pertences”. O apego é característica do controle e da idéia ilusória de segurança. Não somos o centro do universo. Somos poeira cósmica e, portanto, como diz a Gêneses (3,19): “tu é pó e ao pó hás de voltar”. Temos o compromisso do retorno.

A razão, considerada durante muito tempo como a grande diferença e importância do humano, atualmente é vista de uma outra maneira. Não deixamos de ser animais, como também não somos mais do que os animais irracionais. Tudo é relativo na arena cósmica, dependente das perspectivas. Por isso, ser velho ou ser jovem é uma perspectiva.

Monteiro (2003) assinala:

_ “Quando pensamos ser o velho de alguém, todas as perspectivas modificam-se, porque é essencial que tenhamos o nosso“jovem”, pelo qual nutrimos sentimentos de afeição, amor, generosidade, criando em nossas vidas um palco de apresentação, onde podemos representar o nosso papel existencial, transcorrendo em aprendizado ininterrupto de várias formas; onde os outros personagens nos ofereçam a oportunidade para nos realizarmos como humanos; onde reconhecemos que o nosso papel é de extrema significação para o desenvolvimento dos outros que participam da mesma esfera que vivemos” (pág.96)._

Somos simplesmente humanos com trajetórias singulares. Temos de respeitar a escolha de cada um. Por isso, uma história de vida se faz interia em um corpo de 80, 90 ou 20, 10 anos de idade. O velho não tem mais ou menos valor que o jovem. Não estamos em uma competição linear da temporalidade. O tempo, pela nova física, é circular. Assim, temos o futuro, o passado e o presente no aqui e agora, no amanhã e no ontem. E todos os tempos nos faz ser o que somos. Herman Hesse no livro Sidarta demonstra bem a circularidade do tempo:

“O menino Sidarta não estava separado do homem Sidarta e do ancião Sidarta, a não ser por sombras, porém, nunca por realidades. Nem tampouco eram passado os nascimentos anteriores de Sidarta, como não fazia parte do porvir a sua morte, com o retorno ao Brama. Nada foi, nada será; tudo é, tudo tem existência e presente”. (pág. 115).

O que diz respeito à vida não se mede. Podemos ter menos para ser mais. O que achamos ser a verdade pode ser o contrário de uma verdade. Se perscrutarmos outras opções, podemos descobrir que ser velho é também uma oportunidade de ser melhor. Assim, não precisaremos pensar que ser jovem é ser bonito e ser velho é ser feio, pois a beleza está em nós porque somos seres com potencialidade irrestrita, somos instáveis e envelhecemos. Se não envelhecêssemos não teríamos nenhuma possibilidade. Como posso acreditar que o dia de amanhã será melhor do que o de hoje? Porque envelheço. Envelhecer é mudar, é ir além da forma de nós mesmos, buscando descobrir um melhor caminho de ser e de viver. Quando acreditamos nisso um novo horizonte se abre aos nossos olhos. Passamos a ver que o que construímos em nossa vida é um belo jardim para os nossos descendentes, que virão colher as flores para enfeitar o próprio jardim de suas vidas.

Não me refiro apenas aos familiares, mas a todos que vivem dentro da mesma esfera planetária. Todos vivemos na Terra e, por assim dizer, dividimos nossos jardins e nossas estrelas. Por isso, devemos deixar de lado o egoísmo e buscar compartilhar da melhor maneira possível a nossa arte de viver. Podemos ser sempre o velho de alguém, assim como o jovem. Somos perspectivas, faces da mesma moeda. Se pudermos olhar mais de perto, para nós mesmos, veremos que o que interessa é a história que deixamos para os outros. Morrer é apenas um processo, pois ainda podemos continuar a viver na história do outro. Entretanto, uma história de vida só tem valor quando queremos compartilhá-la. Somos um mix de histórias de vida. Isso nos faz ser o que somos. Desse modo, não posso concordar com os índios nambiquaras que usam uma única palavra para dizer “jovem e bonito” e uma outra para “velho e feio” (Simone De Beauvoir, 1990). Envelhecer é beleza porque condiz com a vida. Viver é construir história, formar caminhos possíveis para adquirirmos a plenitude. Quando descobrirmos que somos um todo indissociável, compreenderemos que ser velho é apenas mais uma maneira de adquirir beleza.

  • “A beleza do envelhecer: caminhos possíveis”. Revista Faculdades Paulista de Serviço Social, ano VI, n.31, São Paulo, 2004. pp. 6-9.
  • Pedro Paulo Monteiro – Mestre em Gerontologia pela PUC-SP. Professor Titular de Geriatria e Gerontologia UniFOA. Professor Gerontologia UCP.

Referência Bibliográfica:

  • BEAUVOIR, Simone de. A velhice. 3ª ed. Rio de Janeiro: ed. Nova Fronteira, 1990.
  • HESSE, Hermann. Sidarta. 38ª ed. Rio de Janeiro: ed. Record, 1998.
  • MARGULIS, Lynn e SAGAN, Dorion. O que é vida? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
  • MONTEIRO, Pedro Paulo. Envelhecer: histórias, encontros e transformações. 2ª ed. Belo Horizonte: editora Autêntica, 2003.
  • PRIGOGINE, Ilya. Ilya Prigogine: do ser ao devir/entrevistas nomes de deuses a Edmond Blattchen. São Paulo: ed. UNESP, 2002.

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