No Dia dos Direitos Humanos, leia o prólogo de "O pluriverso dos direitos humanos", de Boaventura de Sousa Santos

Boaventura de Sousa Santos e Bruno Sena Martins - Publicado na categoria Resenhas & Trechos em 10/12/2019


Prólogo

Boaventura de Sousa Santos e Bruno Sena Martins

O impasse que os direitos humanos atualmente atravessam enquanto linguagem capaz de articular lutas pela dignidade é, em larga medida, um espelho da exaustão epistemológica e política que assombra o Norte Global. Tal impasse não é separável do modo como as agendas imperialistas fragilizaram a credibilidade dos direitos humanos na arena internacional, evidente no sistemático uso de duplos critérios para justificar as guerras pelos recursos ou nos movimentos táticos no xadrez económico [1] ou geopolítico. A situação atual resulta igualmente do estreitamento do âmbito dos direitos humanos, de tal modo que estes se converteram num mínimo denominador comum de direitos, passíveis de serem mobilizados, porventura, para enfrentar o cerceamento de certos direitos civis e políticos ou para as situações de emergência que reclamam por intervenções humanitárias, mas pouco tidos em conta nas lutas contra as sistémicas opressões impostas no mundo pelo capitalismo, pelo colonialismo e pelo patriarcado.

Da perspetiva das epistemologias do Sul, a superação do impasse que hoje se abate sobre os direitos humanos implica, pois, enfrentar a exaustão epistemológica política que permeia o pensamento crítico e as narrativas emancipatórias do Norte Global. Trata-se de reconhecer e superar o preconceito colonial que impede que o mundo eurocêntrico aprenda com as experiências daqueles e daquelas que, nas diferentes regiões do mundo, resistem às iniquidades de um quadro global fortemente constituído pelos termos das ambições universalistas da modernidade ocidental. Reconhecendo, contudo, o protagonismo que os direitos humanos convencionais, eurocêntricos, assumiram, e ainda assumem, como linguagem hegemónica de dignidade humana, neste livro propõe-se, por um lado, identificar os seus limites e impossibilidades e, por outro lado, convidar a um diálogo criativo entre os direitos humanos, tidos como universais, e o pluriverso de lutas e saberes que, um pouco por todo o mundo, através de perspetivas interculturais e antissistémicas, desenham horizontes emancipatórios ancorados em reivindicações de dignidade humana.

O presente livro reúne 21 textos que retratam o diálogo de investigadores e investigadoras de todos os continentes que nos confrontam com temas e realidades sociais que, de diferentes formas, nos convidam a pensar o lugar dos direitos humanos nas Epistemologias do Sul. Esta obra, assim como os capítulos que a compõem, resulta do trabalho de troca e aprendizagem promovido a partir do projeto ALICE. [2] Este é o segundo volume da coleção “Epistemologias do Sul”, onde se revelam os resultados das investigações e debates que tiveram lugar ao longo do projeto ALICE e que continuam a alimentar o programa de pesquisa “Epistemologias do Sul”, dinamizado a partir do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, sob coordenação de Boaventura de Sousa Santos.

Como todas as obras coletivas são produto de saber partilhado, cabe agradecer a todas as pessoas, movimentos e organizações que tornaram possível a concretização do projeto e do programa de investigação centrado nas Epistemologias do Sul. Agradecemos, desde logo, a todas as pessoas e movimentos que aceitaram participar nas várias iniciativas realizadas, desde Universidades Populares dos Movimentos Sociais, Conversas do Mundo, fóruns de discussão, entrevistas individuais e coletivas. Também agradecemos aos ativistas e académicos de todo o mundo que colaboram nos vários volumes que compõem a coleção Epistemologias do Sul, respondendo ao desafio de uma ciência emancipadora capaz de defender a dignidade e de restituir a esperança.

Cabe uma especial referência ao Centro de Estudos Sociais, por ser o espaço institucional em que o projeto ALICE esteve sediado, mas sobretudo pelo generoso apoio das estruturas científicas e administrativas que contribuíram para o sucesso do projeto e para a sua posterior materialização enquanto programa de investigação. Neste âmbito, há que destacar a colaboração dedicada da Inês Elias e o incansável trabalho da Rita Kácia Oliveira, que se entregou de alma e coração à filosofia do projeto. Por último, uma palavra de agradecimento ao trabalho diligente do Victor Ferreira pela revisão dos textos e verificação das referências bibliográficas e ao labor dos tradutores para português dos originais noutras línguas: Ana Saldanha, Carina Correia, Carla Lopes, Eduardo Basto, Paulo Rocha, Rita Caetano, Samuel Alexandre e Sara Reis.


[1] Na edição dos livros desta coleção em Portugal se manteve a grafia e a sintaxe dos capítulos dos autores brasileiros. Optou-se, na edição brasileira, por fazer o mesmo, tanto com os textos de autores portugueses quanto com os textos traduzidos por tradutores portugueses. (N.E.)

[2] ALICE – Espelhos estranhos, lições imprevistas; definindo para a Europa um novo modo de partilhar as experiências do mundo, coordenado por Boaventura de Sousa Santos, com financiamento do European Research Council e realizado entre 2011 e 2016 no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra: <www.alice.ces.uc.pt >.

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