Há 500 anos, Magalhães já sabia que a Terra não era plana

Publicado na categoria Resenhas & Trechos em 24/09/2019


Pouco mais de um ano após partir da Espanha em uma frota de cinco naus, no ano do Senhor de 1519, um pequeno bote abre caminho por entre paisagens que parecem “a antecâmara do além-túmulo”. “Nenhum navio jamais sulcou estas águas, jamais nenhum homem”, pensa Juan-Sebastián Elcano, o Cão, que zarpou de Sevilha como timoneiro da frota do carrancudo almirante Fernão de Magalhães.

A jornada até ali foi dura e cheia de provações. Os homens, exaustos, por vezes perderam a fé e até mesmo tentaram um motim para tirar o português do comando. Mas Elcano vê o canal se abrir diante de si, sente no ar que o mar aberto está próximo, o sol desponta entre as nuvens, a vida parece “renascer depois de meses de tormentos do corpo e do espírito”…

Pelos diabos.

Magalhães estava certo.

A primeira volta ao globo terrestre

Em setembro de 2019, fazem 500 anos que o português Fernão de Magalhães, rejeitado por sua pátria mãe, zarpou do porto de Sevilha no comando de cinco naus (Victoria, Trinidad, Concepción, San Antonio e Santiago) com um ambicioso objetivo: encontrar o caminho para a Ilhas Molucas, atuais Filipinas, pelo ocidente. Convencido que o território pertenceria à Espanha sob o Tratado de Tordesilhas, Magalhães buscava um caminho que pudesse evitar a rota pela costa da África, já dominada pelos portugueses. Mais do que isso, o navegante procurava deixar seu nome na história – e conseguiu, ainda que isso tenha lhe custado a vida.

A expedição de setembro de 1519 foi um marco fundamental da história mundial. Não apenas um exemplo da força da racionalidade (e, por que não, da teimosia) humana frente às intempéries da natureza, a viagem foi também a primeira circum-navegação do globo terrestre, a primeira comprovação de que o planeta que habitamos é redondo. Magalhães e seus homens são até hoje fonte de inspiração para exploradores, inclusive aqueles que, em vez de singrarem os sete mares, navegam na imensidão do espaço sideral. Com a diferença de que os astronautas de hoje são a todo momento assessorados pela base de controle na Terra, enquanto os espanhóis do século XVI estavam por sua conta e risco.
E haja risco! Tempestades, doenças, escassez de suprimentos, embates com os nativos, o próprio ineditismo da viagem, a incerteza se iriam ou não conseguir – e muitos, de fato, não conseguiram. Dos mais de 200 homens e cinco navios, retornaram apenas 18 tripulantes em uma única nau. O próprio Magalhães não completou a volta ao mundo: foi morto em uma batalha nas Filipinas, fazendo do lugar que procurou tão obstinadamente o seu descanso final.

Fernão de Magalhães: um romance inspirador

Quinhentos anos depois de o italiano Antonio Pigafetta fazer o registro que ficou na história oficial da primeira circum-navegação terrestre, um de seus compatriotas nos traz outra versão. Em Fernão de Magalhães, Gianlucca Barbera toma de empréstimo a pena de Elcano para restaurar ao português os louros que lhes eram devidos. Elcano, feito capitão após a morte Magalhães, narra suas duas traições ao almirante, primeiro participando do malsucedido motim contra o português e, depois, aceitando as honrarias que não eram suas.

Em uma estrutura narrativa descrita pelo Il Giornale como “estrategicamente impecável” e uma linguagem que reflete a crueza dos territórios encontrados, Barbera nos leva em uma jornada até os confins do mundo e da humanidade. Quanto mais se afastam da Espanha, mais os tripulantes da expedição mergulham em si mesmos, testando os limites de sua racionalidade e obstinação.

Meio século depois, com discursos como terraplanismo em franca ascensão, o sacrifício de Magalhães e aqueles outros quase 200 homens para provar que a Terra é redonda parece ter sido em vão. É preciso resgatar novamente a fé na ciência e a determinação de ir além daquilo que se pode ver.

Conheça a história de Fernão de Magalhães no nosso site e veja o que saiu sobre ele no jornal O Globo e na revista Veja!

Tags:  terraplanismo,  gianlucca barbera,  fernão de magalhães


Comentários